Roteiro imaginário pola vida e obra de Aurora Marco, por Susana S. Aríns



Os roteiros imaginários (ou não) são uma versão fantasiosa dos roteiros biográficos. Exigem por parte das participantes a capacidade de se deslocar a outros lugares pois o espaço em que se desenvolvem não deixa de ser uma metáfora doutros espaços.

Os roteiros imaginários (ou não) nascem da leitura atenta da obra das autoras roteiradas e não são outra cousa que uma escusa para partilharmos os seus textos.
 

                                                            (Fotografía Pablo Ces)

A autora que hoje nos ocupa é Aurora Marco. E imaginamos a sua vida como uma nova Alba de Glória em que, ademais de a celebrar a ela, recolhemos em aquelarre, ou Santa Companha, a estadea de mulheres que antes que nosoutras foram, esses vaga-lumes que tanto custa ver na noite da história, mas que refulgem mesmo na escuridade mais imensa.

PARADA 1: Pedras e cons

Não há história sem pré-história, nem pré-história sem tectónica de placas nem gondwanas. Na primeira lua de Agosto comemoramos o início oficial da história da Galiza, seguindo as indicações de um dos autores estudados por Aurora Marco, Otero Pedrayo: Sin ser nós amigos dun cego determinismo, sin medo, con ledicia orballada sentamos a seguinte proposición: a historia galega comenza co primeiro plegameno hercyniano. (.../…) un feito de sentimento e de comprensión indudable ponlle à raza galega un berce de penedo1. Se a Galiza tem um berço de penedo, Aurora Marco tem-no de montanha. Entre as neves nasceu, por acidente de mãe: mestra destinada nos Montes Universais, emergidos em um pregamento posterior e pirenenco. 

Fotografía de Pablo Ces
 
Nestes cons, o berce: estamos no Courel, na estrada que sobe de Quiroga a Folgoso e esse que vedes aí é o formosíssimo pregamento de Campodola, a marca que em nós deixaram, na nebulosa dos tempos, os movimentos de placas que há 350 milhões de anos formaram a Galiza e o norte de Portugal. E aí, 350 milhões de vezes, foram agachadas as mulheres. Entre os pregamentos destas rochas jazem sepultadas no esquecimento essas almas sem nome, as que criaram o idioma que falamosa nossa cultura, as nossas artes, os nossos     usos e costumes, e em fimo feito diferencial da Galiza.  Elas são as que, em longas centúrias de trabalho, humanizaram o nosso território pátrio, infundindo a todas as cousas que napaisagem se mostram o seu próprio espírito, coo o que pode dialogar o coração nosso, antigo e panteísta. Elas são asque guardam e custodiam, no seio da terra-mãeos legados múltiplos da nossa tradiçãoos germes incorruptíveis, da nossa futura história2.
 
 

 

sim, começou Aurora Marco, na alba dos seus tempos de investigadora, por dedicar o tempo aos petrúcios, aos grandes: Ramón Otero Pedrayo, Avilés de Taramancos, Carvalho Calero, até ela sentir o refulgir das que lavraram a paisagem, das que teceram a língua, das que empacaram as sardinhas que alimentaram luitas e descobertas, das que defenderam a terra com a força da raiva e o sacho. 

Galiza tem 350 milhões de anos, diz Otero Pedrayo, e poucos mais de 30 anos são os que leva à procura das mulheres Aurora Marco. Um grauzinho no universo. Porém, os Montes não são Universais por serem enormes, mas por serem comunais. Por serem de todas. Graças à Nossa Senhora das Letras, a história universal da Galiza é hoje um pouco mais de todas. Universal.

PARADA 2:  Edifício dos banhos

Estamos em Noguera de Albarracín e esta é a Casa de los Maestros. Dessa varanda enorme começou a olhar o mundo Aurora Marco. Já daquela fazia por olhar diferente. Chiscava um olho, abria outro, punha mão de viseira, saía na noite e no mencer, sempre à procura do pormenor diferente. 

                                                     (Fotografía Pablo Ces)

E quando abandonava a varanda era para entrar na escola da mamai: o quadro e os mapas, as mesas e os bancos, as quatro letras que aprender a ler. 

Foi o sino marcado. O das escolantas. Porque em Santiago continuou Aurora a entrar nas escolas e chegou à faculdade de filosofia e letras e venha a ler e venha a escrever e como quem não quer acabou na Escola Normal aprendendo a serem escolantas a novas raparigas e rapazes com espírito docente. 

Porém, no caminho, houve de limpar os restos do franquismo na sua formação: “A dura etapa que se iniciou tras o golpe militar, ditatorial e patriarcal reduciu as mulleres ao cumprimento dunha serie de roles tradicionais, pola que ficaron excluídas dos mecanismos de participación social. E iso contribuíu á conformación dun modelo ideal de mulleres, tarefa en que foi clave o papel da Sección Femenina e da Igrexa. O que agardaba das mulleres o novo réxime está ben recollido naquelas normas da Falanxe, de 1937, que puñan o acento na súa abnegación e sacrificio; no "obrar heroico", non na acción; non podían atraizoar o seu destino entregándose a "funcións varonís", e tiñan que procurar ser cada día "máis muller", sen esquecer o coidado da súa alma e do seu corpo "para Deus e a Falanxe". Con este ambiente, é doado comprender a incomprensión e persecución para as que traspasaban esas barreiras da domesticidade”3.

Não foi Aurora mulher para Deus e a Falange. E uma vez que virou mestra de mestras, não quis deixar no silêncio as outras que antes foram. Aquelas que andavam nessas varandas de Albarracín fazendo por olhar o mundo além dos limites do franquismo: 

Sempre houbo profesións onde as mulleres foron visíbeis. E poño por caso, por exemplo, o maxisterio, abondo esquecido na investigación social ata hai pouco. Mais a historiografía, tradicionalmente tan androcéntrica, non considerou os contributos excepcionais de pedagogas da envergadura, por citar tres casos, da compostelá Concepción Sáiz Otero, da coruñesa María Barbeito Cerviño ou da calidade profesional e humana dunha mestra rural como Antonia de la Torre Martínez, nacida en Porto do Son, que chegou á escola de Fruime (Lousame) en 1916 e saíu de alí en 1964, xubilada. Ela era –alén dunha excelente profesional que se mantiña ao día naquel lugar isolado e sen medios de comunicación–, a médica, a consultora, a asistenta social, a muller que resolvía problemas de toda índole, a autoridade moral... "Dona Antonia" segue a ser unha referencia en Fruime. Esa invisibilidade tamén se deu nos medios académicos, xa non digamos na RAG (iso é punto e aparte). E tamén na esfera pública4.


Mestra de mestras. Resgatadora de mestras. Luz que guia e ilumina.

 

PARADA 3mirador

Estamos em San Adrião de Cobres. Aquilo que vemos lá, essa caravela que flutua e brilha no meio da ria, não é a ilha de Rua, mas São Simão. Já todas sabemos: mosteiro, lazareto, campo de concentração, cárcere, prisão. O símbolo da recuperação da memória e a sua destruição, tudo em um. São Simão é como um livro para invidentes, onde só mediante o tato podemos ler a palavra Teruel no caminho construído polos presos e baptiçado assim por eles. Mas não sempre foi assim.

Uma aurora alumiou o lugar por um tempo, para nos lembrar que sempre é possível reencontrar-nos com a memória.

Foi feliz Aurora Marco lá em 2008 quando pôde juntar na ilha as expulsadas do paraíso: as
suas exiladas. Inveja sentimos de não ter escuitado daquela Mariví Villaverde, Teresa Alvajar, Joaquina Dorado, Carmen Tagüeña, Dora Carcaño ou Silvia Mestre, conjuradas por Aurora num aquelarre de desterradas de volta na terra. De todas elas, foram chegando  a nós os ecos da suas vidas azaradas polo mundo fora, do seu desgarro por serem estrangeiras e estrangeiradas, das suas perdas e das suas ausências, o eco do sotaque tão galego de quem aprendeu a língua nas ruas de Buenos Aires ou París. 

Hoje essa ilha, essa que parece miragem aí no meio da ria, bate no mar com a memória amputada, mas continuam as auroras a alumiar o caminho para recuperar algum dia o espaço, onde eu imagino um edifício, uma sala, com os nomes e as fotografias de todas as represaliadas resgatadas por Aurora Marco, quem aplica a teoria de que aquilo que não se nomeia não existe, e gasta o tempo em elaborar listagens de nomes, em ensinar retratos para pormos rosto às ânsias, em recompilar passaportes e documentos que trazem o nosso mapa da dor, do exílio5Disse Chelo Rodríguez, guerrilheira, quando chegou a França, viva e salva: tenho a liberdade, e não sei para que a quero, se deixo todo atrás.

"Unha noite si e outra tamén Teresa Alvajar soñaba que volvía á súa cidade, que andaba polas rúas da infancia e finalizaba a camiñada na praza de María Pita, a ollar para a xanela da oficina onde traballaba o pai. E erguíase cansa, como se tivese feito a viaxe". Em 2016, centenário das Irmandinhas, María Teresa Alvajar,regressou á Coruña e as suas cinsas foram espalladas en Punta Herminia, nun acto organizado pola súa familia e na que participou a Comisión pola Recuperación da Memoria Histórica (CRMH), que en 2009 a distinguira como “Republicana de Honra”6. Aurora Marco animara-a a escribir as súas memorias -publicadas por Laiovento en 2012 (Teresa Alvajar López. Memorias dunha republicana)- e considera que o libro constitúe "a autobiografía dunha muller atravesada pola represión desatada tras o golpe militar; e a autobiografía dunha supervivente que defendeu desde a liberdade a súa vida, nun tempo en que as mulleres semella que tiñan que pedir permiso para vivir, para amar".

Porque também isso é A Nossa Senhora: farol que guia companheiras, técnica de som que coloca o micro para que falemos.

PARADA 4: Círculo lítico

Não sabemos bem para que construíam estes monumentos as nossas antecessoras. Quiçá para o mesmo que nós, hoje em dia: para fazer comunidade, para ter onde nos juntar, para presumir o governante que tocasse daquela, para dar trabalho às marginais da aldeia em um obradoiro de formação ocupacional. Não sabemos porque não deixaram dito com mensagens que podamos ler. Mas podemos imaginar que cá, ao pé destas lages graníticas, alguma fêmea neandertal cuidou da mãe ferida após a queda de uma maceira antecessora das nossas maceiras. Contou-nos isto Margaret Mead, antropóloga, pondo em destaque a importância do foco quando analisamos os dados que nos fornece o passado: ela contava que o primeiro signo de civilização na cultura antiga foi um fémur fraturado e depois sandado. Explicava que no reino animal, se quebras uma perna, a morte é segura. Não podes fugir do perigo, ir à fonte a por água, procurar alimento, e passas a ser presa fácil. Poucos animais sobrevivem a unha perna quebrada o tempo suficiente para que a ossamenta sande. Por isto, um fémur rompido e curado é a prova de que alguém tomou o tempo de ficar com a pessoa acidentada, recolocou a perna, imobilizou com faixas, levou-na a lugar seguro e ajudou-a a se recuperar. No cuidado está a civilização. 

Seique esta anedota é falsa: não há fontes documentais, falta a gravação da palestra, em realidade também os animais sandam fraturas, que vá, a Margaret nem tão original foi. Sempre questionadas as poucas mulheres que levantam a voz. 


Milhares de anos tiveram que passar para compreendermos a importância, também, de narrar os cuidados, de pôr nome às cuidadoras, às fornecedoras de alimento, às sandadoras que não foram à faculdade de medicina e mesmo assim envolveram em faixas pernas e braços quebrados. Isso faz, como a Margaret Mead, Aurora Marco.


Parada 5Pombal

Pablinho, faz-nos uma foto a papá e mamã, anda, disse um dia Aurora ao filho no Dolmem de Ageitos. E Pablinho apanhou por vez primeira a câmara e fotografou a história e a mamã. Pablinho, e por que não nos gravas a passejar por entre as casoupas, anda?, disse Aurora ao filho outro dia em Baronha. E Pablinho apanhou por primeira vez a outra câmara, a de vídeo. E brincou com ela e gravou estas pedras, e fez macros e micros e picados e pendurou a câmara daquele pinheiro para provar o plano zenital e aprendeu a cinear e foi ele que pediu, Aurora, mamai, e ajudas-me a contar o conto dos torreiros?, e Aurora escreveu o conto do torreiro de Sálvora, do torreiro de Ons, dos torreiros todos que já não são porque estes faróis já só querem máquinas. Começou aí um caminho umbilical de ida e volta, onde mãe e filho juntaram artes, ela as letras, ele as imagens.

 

 E Pablinho, acompanhas-me, que ando à procura de guerrilheiras? Só tenho um nome, Enriqueta Otero Blanco, mas vaiamos polas portas e perguntemos, gravas-nos? E vens à Cidade da Selva? E gravas a Casa da Fortaleza? E atendes a Chelo, para que fique a sua voz, a sua dignidade, a sua história. Chelo ía armada. Camiñaba durante horas cargada co macuto como os seus compañeiros en días de intensas nevadas.  

 

Vivía nos chozos da Cidade da Selva, en Casaio, no medio da precariedade. Nessas casoupinhas precárias tinham cova os fugidos. E as fugidas. Ela e a súa irmá Antonia foran enlaces desde que os seus irmáns se botaran ao monte no 1939. E chegou un momento no que tivo que escoller entre subir ela tamén ou morrer7Que não, que não era as queridas dos guerrilheiros, nem as amantes, nem as suas amancebadas. Eram mulheres com alto compromisso político e social. 

E Pablo Ces gravou. Cá na Cidade da Selva, o refúgio de guerrilheiros nos montes de Casaio. Nestas casoupinhas precárias tinham cova os fugidos. E as fugidas. 

                                                (Fotografía Eva Teixeiro)
 

E juntos arrebataram As silenciadas da mudez, que só havia uma ou duas e Aurora Marco contou-nos mais de 200. E permitiram-nos a outras chegar a elas, como cheguei eu quando escrevia o meu seique:

empatia


quando escuito a chelo rodríguez, guerrilheira, contar com bágoas nos olhos no documentário as silenciadas, como os guarda civis chegaram à sua casa na aurora de um novo dia, como entraram na alcova de seu pai e sua mãe para moê-los a paus, não sem antes chamá-la puta a ela, e como ali os deixaram, na mesma cama, quase que por mortos, a imaginação leva-me ao tio manuel e ao abuelito e à bisavó casilda. 


em soulecim, na casa chamada fortaleza, a diferença de portaris, quem malhava não era o filho.


PARADA 6Lavadoiro de Pedrim

A este lavadoiro, cá no lugar de Leira, em Ordes, tem acompanhado centas vezes Aurora à avó Carmen. A velha deixava que a cativa esfregara os panos pequenos em quanto reservava para si os lenços, as camisas, as peças delicadas. O som rítmico dos golpes, os contos com as vizinhas, retorcer as sabas e pôr a clareio nas silveiras. 

                                                 (Fotografía Pablo Ces)
 

Acordou-lhe esta cena quando soube de Brígida Muñiz Suárez, da “Sociedade La Fraternidad” de Boiro8. Unha labrega do lugar de Triñáns que, a partir de marzo de 1936, a raíz das eleizóns da Frente Popular, formou parte da corporación municipal de Boiro, como única muller, en representación do Partido Socialista. 

Uma das preocupações de Brígida como concelheira, no pouco tempo que pôde exercer, foi a da criação de fontes e lavadoiros no município, para facilitar o trabalho das mulheres: como aquela neandertal anônima, cuidar de que podamos chegar à água; outra preocupação: o mercado de abastos e o matadoiro municipal: como aquela neandertal anônima, cuidar de que podamos chegar ao alimento. Cando a sublevación, foi paseada por todo Boiro, coa cabeza rapada e as siglas UHP pintadas na fronte, embargáronlle as vacas e estivo detida arredor dun mes no concello. Foi este o castigo exemplar para quem quis exercer a civilização, quer dizer, o cuidado.

     (Fotografía Patricia Porto)
 

Aurora Marco tem abordado em várias das suas obras os decisivos avanços da mulher galega na II República espanhola, o seu posterior papel sobressalente na resistência, e o discurso de ridiculização e escárnio lançado polos franquistas contra aquelas que não se rendiam9. E Brígida aboia na sua memória, peixinho a borbulhar dignidade, cada vez que se achega a um lavadoiro, o de Leira, o de Santo António, o do Meio, o de Pedrim. Agora aboia também em todas nós: Brígida Muñiz Suárez.


PARADA 7Mesa de merendeiro

A mim, ratinha de andéis, estantes e arquivos, “pedagogo con saias, bachillera, necia e insufrible”10, são duas as bibliotecárias que me vêm sempre à cabeça: uma, a mártir, Juana Capdevielle. Integrante nos tempos republicanos do Corpo de Arquiveiras e Bibliotecárias, dirigiu duas das mais prestigiosas bibliotecas de Madrid: a do Ateneo e a da Faculdade de Letras. Como boa cuidadora civilizada mostrou interesse em potenciar as bibliotecas hospitalares. E como boa feminista defendeu publicamente outra maneira de amar, defrontando-se a Novoa Santos, médico, deputado e reitor que defendia a nossa inferioridade e incapacidade como mulheres. Juana foi assassinada numa gávia de Rábade, após suportar o assassinato do seu homem. 

A outra bibliotecária que vem a mim é María Moliner. Também integrante do Corpo de Arquiveiras e Bibliotecárias. Implicada nas Missões Pedagógicas republicadas, foi cuidadora civilizada que se preocupou de organizar as primeiras Bibliotecas Ambulantes, para nos facilitar o acesso universal à cultura. Porque a cultura é como os Montes Universais que nasceram a Aurora: de todas. María Moliner foi arrebatada do seu trabalho e exilada na cozinha, perna quebrada e na casa. E mesmo assim cuidou de nosoutras, criando, nesta mesa, entre potas, testos e patacas por pranar, um dicionário exemplar. 

Ao seu pé sentou Aurora, cotovelo com cotovelo atendeu a como María redigia as suas palavras, uma a uma caçadas nos livros, pescadas no ar das praças e ultra-marinos, arrancadas dos ensaios clandestinos. Ao pé de María estudou Aurora dicionários. E foi ela quem, seguindo os passos da precursora, acadou a façanha: retirar do mercado um dicionário sexista. 

Minha senhora, só por isso já mereces este dia!


 

Se o ano 1992 foi um fito nas Espanhas, o ano 1991 foi-no na didática das línguas, pois foi nesse ano em que Aurora Marco fez uma análise do sexismo nos dicionários escolares para dar com pérolas como que uma MULHER é uma fémea de animal que pensa e fala. Após apresentar o seu trabalho, Xerais retirou o Dicionário Básico de Lingua Galega analisado. Mesmo assim, a nossa senhora foi ridiculizada polos autoros do produto11, dizendo dela coisas como que só reparava na anedota ou que o seu eram parvadas de feministas. O mesminho que escuitou antes a Moliner dos senhores acadêmicos. 


PARADA 8: Anfiteatro

Neste Sala de Atos do Museu do Povo Galego assistiu Aurora Marco ao Primeiro Congresso Internacional das Irmandades da Fala. E sem fala ficou. Depois de atender a todas as mesas e palestras viu como ninguém oferecera praticamente nomes de mulheres ativistas nessas irmandades. As poucas que eram citadas eram as já conhecidas: María Miramontes, eterna esposa de, Corona González, Amparo López Jean. 

Também, nesses messes do centenário ,me surpreendera a mim tamanha escaseza. E escrevim alguns poemas, como este para uma das muitas mestras represaliadas, a quem lhe foi extirpado o seu título, e que botou onze anos, onze, sem sair da casa: 


elvira bao 

é só um passinho 

tenta com os tentos 

apoia-te nos muros 

deixa-te ir pola fenda 

que cai na porta 


é só um passinho 

pousa sem pavor 

sem espanto 

mas pousa 

com cautela 

um pé atrás do outro 

isso é 

fazer caminho 


lembra 


é só um passinho 

trespassar a soleira 

e sentir 

sentir a tarde 

a refrescar os cotos 

das amputadas asas 


tantos messes depois 

tantos anos depois. 


Mas, enquanto eu poetava, Aurora Marco remexia papeis como levava fazendo durante toda a sua vida investigadora e feminista: Foi (tarefa) longa e fatigosa, si. A finais dos 80 comecei un traballo de respiga perseverante nas hemerotecas, cuxos fondos estaban sen dixitalizar naquela altura, o que esixía unha consulta demorada e cansa –exemplar por exemplar, folla por folla–  na procura da presenza feminina: un poema, un artigo; a referencia dunha conferencia, da estrea dunha peza de teatro, dun poemario, dunha novela; a noticia dunha actuación musical, dunha exposición... Un material de gran valor que foi enchendo cadernos e cadernos e que deu lugar, completado con outras fontes –entre elas as orais–, a unha parte considerábel da miña produción posterior, corrixido e aumentado, cando foi posíbel encontrar máis información12.

E assim, durante quatro anos, mergulhou em arquivos, revistas, jornais, falou e falou e falou com famílias, para trazer-nos refulgentes, centas irmandinhas que foram pioneiras, elas sim, no ativismo político. Eram duras e rebeldes, posicionadas contra as injustiças, mas recebidas com banalidade, coma nosoutras tantas vezes, polos que deveram exercer de companheiros de luita: 

Pero a nota máis simpática douna unha señorita que falou em nome da seición feminina da Irmandade. Esta siñorita, nova e fermosa, co’as meixelas roxas e os seus ollos conqueridores e escintilantes efeito da xenreira que sintía, esprexou a dor das mulleres dinas ante o fusilamento das irmás labregas na aldea de Sofán. Foi moi gabada13.

Um grupo organizado de mulheres protesta publicamente polo assassinato de Josefa Bolón Mato, María Caamaño Pallas, Carmen Veira Souto e María Serrano Paz, e o que resta delas para o futuro são uns olhos escintilantes, 


Por isso continuamos a precisar de ti, Aurora Marco.


                                        (Fotografía Pablo Ces)

    FIM


Lembremos os nomes todos: 

Concepción Sáiz Otero, luzinha

María Barbeito Cerviño, luzinha 

Antonia de la Torre Martínez, luzinha

Margaret Meadluzinha

Juana Capdevielleluzinha

María Molinerluzinha

Mariví Villaverdeluzinha

Teresa Alvajarluzinha

Joaquina Doradoluzinha

Carmen Tagüeñaluzinha

Dora Carcañoluzinha

Silvia Mestreluzinha

Enriqueta Otero Blanco, luzinha

Chelo Rodríguez, luzinha

Antonia Rodríguez, luzinha

Brígida Muñiz Suárezluzinha

María Miramontes, luzinha 

Corona González, luzinha

Amparo López Jean, luzinha 

Elvira Bao, luzinha

Josefa Bolón Matoluzinha

María Caamaño Pallasluzinha

Carmen Veira Soutoluzinha

María Serrano Pazluzinha


Esta moitedume de luzinhas representa o povo, que nunca nos atraiçoou, a energia colectiva, que nunca perece, e em fim, a esperança feminista, que nunca cansa. Essa infinita moitedume de luzinhas representa o que fomos, o que somos e o que seremos sempre, sempre, sempre14.


1Otero Pedrayo, Ramón: Historia de Galicia, pág. 37.

2Versão amputada e nossa do discurso Alba de Grória, de Castelao: https://youtu.be/0TzduLWOVwE

3https://praza.gal/cultura/as-mulleres-de-hoxe-non-chegamos-ata-aqui-por-xeracion-espontanea-houbo-outras-que-o-fixeron-antes

4https://praza.gal/cultura/as-mulleres-de-hoxe-non-chegamos-ata-aqui-por-xeracion-espontanea-houbo-outras-que-o-fixeron-antes

5https://www.aelg.gal/centro-documentacion/autores-as/aurora-marco/paratextos/7193/la-carcel-de-las-guardianas-de-la-memoria

6https://praza.gal/movementos-sociais/teresa-alvajar-volve-a-casa

7https://praza.gal/cultura/las-guerrilleiras-eran-mulleres-cun-compromiso-politico-inequivocor

8http://culturagalega.gal/album/mulleres_e_a_memoria_historica.php

9https://www.galizalivre.com/2022/02/15/o-odio-fascista-contra-a-mulher-organizada-o-caso-de-brigida-muniz/

10https://praza.gal/cultura/las-mulleres-actuais-non-partimos-de-cero-as-que-nos-precederon-deixaron-a-leira-decruadar

11https://praza.gal/cultura/as-mulleres-de-hoxe-non-chegamos-ata-aqui-por-xeracion-espontanea-houbo-outras-que-o-fixeron-antes

12https://praza.gal/cultura/as-mulleres-de-hoxe-non-chegamos-ata-aqui-por-xeracion-espontanea-houbo-outras-que-o-fixeron-antes

13Aurora Marco: Irmandiñas, Laiovento, 2020, pág. 47.

14Versão amputada e nossa do discurso Alba de Grória, de Castelao: https://youtu.be/0TzduLWOVwE

Comentarios