Que barbaridade!, por Susana S. Arias


Aquelas que partilhamos espaços de trabalho e de aprendizagem com María Reimóndez sabemos que é a galega com a teoria feminista melhor pensada, ruminada e assentada1. Aquelas que partilhamos com María Reimóndez espaços de reflexão e ativismo, temos a sorte de dialogar com ela e levar os seus questionamentos e propostas ao espelho que é o nosso agir diário na vida, as posições em que nos colocamos, os partidos que tomamos. 

Ainda que María Reimóndez ja tem escrito sobre os feminismos2, havia tempo que algumas botábamos em falta um volume em que recolhesse boa parte dessa teoria feminista da que parte e que algumas aprendemos a cachinhos, em petiscos de uma conversa cá, um encontro lá. E fai-no agora, ainda que não o pareça. 

Uma atitude que defende a autora amiúde é a de não gastarmos esforços lá onde podem esgotar-nos e consumir-nos. Devemos escolher as leiras que sachamos e optar por aquelas com terra rica e água acessível. Por isso ficamos felizes ao saber das destinatárias do seu último ensaio: *s adolescentes divers*s. Se alguém merece que paremos a arrumar e pôr por escrito as aprendizagens feministas de tantos anos não são as adultas, elas que se safem, mas essa mocidade aberta e disposta a mudar o mundo. Na escolha das destinatárias há uma atitude anti-etarista que adoramos. María Reimóndez escolhe um tom claro e direto, sem evitar questões que para muitas são tabus quando referidas a menores, desde a nossa responsabilidade individual, até o carácter político de todo quanto nos rodeia, passando polo tratamento de todas as violências sexuais, sem cair nunca no paternalismo, oferecendo espaços para a auto-reflexão e redes às que acudir em caso de precisar ajuda ou ter interesse em saber mais. 

E todo isto em um volume de nome Bárbaras! que se acompanha de um subtítulo aparentemente enganoso: unha achega desenfadada à menstruación para adolescentes divers*s (e non só). Como? Mas não diz a sinha crítica que é um ensaio sobre feminismo? Como que é sobre a menstruação? Isso é o que faz para mim este livro bárbaro: a autora escolhe a menstruação como fio condutor para reflexionar sobre outras muitas cousas: os corpos, a interseccionalidade das discriminações, o (nosso) privilégio, a transfobia, a violência médica e obstrética, as relações sexuais, o racismo, o acesso a bens básicos, etc. Ou ao invés: a autora só fala da regra, mas é impossível pensar sobre esta sem entrar-lhe a todas essas questões, porque a regra é corpo e o corpo é um campo de batalha política. Sobre todo isto reflexiona com uma linguagem amena, em um tom desenfadado, que nos faz entrar na leitura e não querer abandoná-la, porque queremos que essa compa não deixe de contar-nos cousas. 

Um dos elementos que faz que entremos na leitura é o posicionamento da autora. Ela descreve-se como mulher branca cisgénero de mais de quarenta anos. Não é que se apresente como uma pessoa privilegiada, não: apresenta-se reconhecendo o seu privilégio. E durante toda a narrativa se dá esse sincero reconhecimento quando é preciso (e também a discriminação quando acontece); por isso quando oferece ferramentas para reflexionarmos e reconhecemos os nossos, parece como uma traição à narradora não tentá-lo. Porque reconhecer os próprios privilégios parte de partilhar a própria experiência que, como falamos de regra, não deixa de ser fundamente íntima. A autora combina trechos de reflexão teórica com fragmentos em que narra vivências pessoais ou de pessoas queridas e propostas de reflexão para as leitoras, cada um destes elementos marcados graficamente na diagramação3 para destacar a sua importância e interdependência. Só podemos teorizar desde os nossos próprios corpos e partilhando as nossas experiências. Só podemos mudar o mundo se mudamos a ideia que aprendemos do nosso corpo. Porque é o nosso corpo o que vai sachar (ou não) a leira.

As pessoas citadas pola autora constituem a tribo das bárbaras da que nos convida a fazer parte: mulheres que luita(ra)m nas suas comunidades, mulheres que acompanham, mulheres fortes que constroem livros e gastam energias lá onde as companheiras saem beneficiadas. 

E eu, mulher branca cisgénero de mais de quarenta anos, estou contenta de poder oferecer esta obra ès minhes adolescentes da escola para que podam se construir outras muito melhores do que nosoutras. 

Não sei se era uma obra necessária, mas agora que foi escrita, vira imprescindível. Deveria estar, à vista, em todas as bibliotecas escolares (e não só).


1Não temos provas e tampouco dúvidas.

2Feminismos que escreveu em parceria com Olga Castro, para Xerais é já de 2013.

3Maravilhoso o trabalho de Alicia Rocha Novoa na edição do volume.


María Reimóndez: Bárbaras. Unha achega desenfadada á menstruación para adolescentes divers*s (e non só) 

Xerais, 2021


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