Dos filmes americanos de adolescentes, ou da Lisa e o Burt Simpson,
sempre me fascinou essa cousa do projeto para a escola. Lembro o
quarto do Coração Delator de Edgar Allan Poe que o Burt
boicoteia ou essa cadeia de favores que começa um meninho no filme
homónimo.
Neste caso não estamos nos USA, mas no Reino Unido, porém, o
projeto para a escola está na base argumental deste romance.
A protagonista, Lottie, após três trompadas com o machismo e as
suas cambadelas em um só dia, decide iniciar um experimento social:
denunciar todos e cada um dos atos sexistas com os que se encontre
durante um mês. Todos e cada um. Pode parecer um repto simples, mas
vai revolucionar com ele a vida do seu liceu, a sua própria vida.
Desde o dia 1, Lottie acompanha-se de uma buguina, que faz sonar
quando presencia ou vive uma machistada, entanto explica às pessoas
que a envoltam o porquê da sua reação.
Lottie não atua sozinha. Conta com o apoio das suas FemSocs, as
colegas do coletivo feminista que montaram na escola. E tem um
estudante de cinema a fazer seguimento das suas acções para
publicar em um blogue, A Vagilante.
Podemos ver que a maneira de construir a trama permite à autora
tanto colocar perante as leitoras todo tipo de situações
quotidianas nas que se percebe o sexismo como explicá-las para as
acólitas que não têm reflexionado ou não se têm formado em
feminismo. E sim. É certo que Lottie, no seu dia a dia, habita
espaços e momentos que permitem aceder a todo um repertório dos
chamados micro-machismos: convive com o seu pai e a sua mãe e o
injusto reparto de tarefas, veste para ir ao liceu (in)adequadamente,
apanha o transporte público, caminha as ruas ocupadas por
assediadores de pacotilha, tem colegas de aulas que lhe roubam as
palavras, visita o centro comercial, gosta de rapazes e de sexo,
etc., etc., etc. Variado catálogo de injustiças.
Porém, são outras duas cousas as que me pareceram mais
interessantes desta obra. Por uma parte, o detonante do projeto de
Lottie não foram essas três cambadelas machistas vividas no mesmo
dia, mas a sua falta de reação perante elas. Lottie calou, amedou,
deixou passar, e isso a fez sentir incómoda, raivada e estranha até
ela reflexionar e reagir. A autora coloca o conceito do desamparo
aprendido sem ter que o nomear, e fazendo-nos parte do processo de
superação do mesmo. Lottie reconduz a raiva para dirigi-la a uma
proposta de ação: quer mudar o mundo, e mudá-lo já.
Por outra parte, vemos a Lottie iniciar o seu projeto já com
problemas. Defronta-se a um dos líderes do liceu e vê-se boicotada
por ele e a sua panda. Ao tempo, o facto de publicitar nas redes as
suas estórias fai-na acessível a todo tipo de trolls. A presão
familiar também está presente, insistindo na necessidade de
deixar-se de parvoíces e atender ao futuro acadêmico. Lottie
afunde-se. Sofre com os insultos e as sobre-exposição pública, com
ter que estar o dia todo a justificar aquilo que faz, mas esforça-se
por aparentar fortaleza, pois pode-lhe a causa que defende. Esquece o
auto-cuidado. E rompe. E gostamos imenso de que isto aconteça na
história porque é um tema pouco tratado e considerado: o
esgotamento, o cansaço, a angústia das ativistas, em qualquer tipo
de movimento, polo desgaste emocional da luita. Gostamos também de
como é resolvida na trama esta queda: as amigas, as FemSocs. A rede.
Apoiar-nos umas nas outras e não luitar sozinhas. Sempre
acompanhadas.
¡Lucha como una chica! é uma obra pensada para público
juvenil. Uma obra pensada para introduzir em questões importantes do
feminismo ao público juvenil. E como tantas obras dirigidas à
mocidade, bem merece ser lida polas adultas. Porque mesmo nós temos
muito que aprender, provavelmente, sobre feminismo e ativismo.
E Lottie está disposta a nos aprender.
Holly Bourne: ¡Lucha como una chica!
La Galera 2019
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