O mundo tem que mudar… imediatamente!, por Susana S. Aríns



Dos filmes americanos de adolescentes, ou da Lisa e o Burt Simpson, sempre me fascinou essa cousa do projeto para a escola. Lembro o quarto do Coração Delator de Edgar Allan Poe que o Burt boicoteia ou essa cadeia de favores que começa um meninho no filme homónimo.
Neste caso não estamos nos USA, mas no Reino Unido, porém, o projeto para a escola está na base argumental deste romance.
A protagonista, Lottie, após três trompadas com o machismo e as suas cambadelas em um só dia, decide iniciar um experimento social: denunciar todos e cada um dos atos sexistas com os que se encontre durante um mês. Todos e cada um. Pode parecer um repto simples, mas vai revolucionar com ele a vida do seu liceu, a sua própria vida. Desde o dia 1, Lottie acompanha-se de uma buguina, que faz sonar quando presencia ou vive uma machistada, entanto explica às pessoas que a envoltam o porquê da sua reação.
Lottie não atua sozinha. Conta com o apoio das suas FemSocs, as colegas do coletivo feminista que montaram na escola. E tem um estudante de cinema a fazer seguimento das suas acções para publicar em um blogue, A Vagilante.
Podemos ver que a maneira de construir a trama permite à autora tanto colocar perante as leitoras todo tipo de situações quotidianas nas que se percebe o sexismo como explicá-las para as acólitas que não têm reflexionado ou não se têm formado em feminismo. E sim. É certo que Lottie, no seu dia a dia, habita espaços e momentos que permitem aceder a todo um repertório dos chamados micro-machismos: convive com o seu pai e a sua mãe e o injusto reparto de tarefas, veste para ir ao liceu (in)adequadamente, apanha o transporte público, caminha as ruas ocupadas por assediadores de pacotilha, tem colegas de aulas que lhe roubam as palavras, visita o centro comercial, gosta de rapazes e de sexo, etc., etc., etc. Variado catálogo de injustiças.
Porém, são outras duas cousas as que me pareceram mais interessantes desta obra. Por uma parte, o detonante do projeto de Lottie não foram essas três cambadelas machistas vividas no mesmo dia, mas a sua falta de reação perante elas. Lottie calou, amedou, deixou passar, e isso a fez sentir incómoda, raivada e estranha até ela reflexionar e reagir. A autora coloca o conceito do desamparo aprendido sem ter que o nomear, e fazendo-nos parte do processo de superação do mesmo. Lottie reconduz a raiva para dirigi-la a uma proposta de ação: quer mudar o mundo, e mudá-lo já.
Por outra parte, vemos a Lottie iniciar o seu projeto já com problemas. Defronta-se a um dos líderes do liceu e vê-se boicotada por ele e a sua panda. Ao tempo, o facto de publicitar nas redes as suas estórias fai-na acessível a todo tipo de trolls. A presão familiar também está presente, insistindo na necessidade de deixar-se de parvoíces e atender ao futuro acadêmico. Lottie afunde-se. Sofre com os insultos e as sobre-exposição pública, com ter que estar o dia todo a justificar aquilo que faz, mas esforça-se por aparentar fortaleza, pois pode-lhe a causa que defende. Esquece o auto-cuidado. E rompe. E gostamos imenso de que isto aconteça na história porque é um tema pouco tratado e considerado: o esgotamento, o cansaço, a angústia das ativistas, em qualquer tipo de movimento, polo desgaste emocional da luita. Gostamos também de como é resolvida na trama esta queda: as amigas, as FemSocs. A rede. Apoiar-nos umas nas outras e não luitar sozinhas. Sempre acompanhadas.
¡Lucha como una chica! é uma obra pensada para público juvenil. Uma obra pensada para introduzir em questões importantes do feminismo ao público juvenil. E como tantas obras dirigidas à mocidade, bem merece ser lida polas adultas. Porque mesmo nós temos muito que aprender, provavelmente, sobre feminismo e ativismo.
E Lottie está disposta a nos aprender.

Holly Bourne: ¡Lucha como una chica!
La Galera 2019




Comentarios