(Re)Aprendermos a falar, por Susana S. Aríns




No pátio da minha escola, uma escola pequena e rural podo escuitar grande variedade de línguas e sotaques: galego ocidental, castelhano argentino, galego da montanha, árabe, castelhano estremeiro, portugués, chinés, castelhano caribenho, romeno, galego do sul, catalão, castelhano da Galiza… mas é também habitual sermos surdas a essa variedade, e ignorá-la. 

A nossa vida não deixa de ser uma sucessão de aprendizagens. Desde que nascemos não fazemos outra cousa. Aprender aprender aprender. Porém, algumas, botamos meia vida a dessaprender, que é uma atividade muito mais interessante e profunda. Disto sabemos muito as feministas. Grande parte da nossa atenção está focada a revisar os hábitos e atitudes interiorizados desde crianças e deitá-los fora de nós. Como querer(nos), como cuidar(nos), que estudar, onde a dignidade, onde as cousas que pagam a pena, como sermos nosoutras. 

Algo semelhante deveríamos fazer as linguistas. São tantas as aprendizagens falsas, mal orientadas, descarreiradas que fazemos desde a escola primária, que mesmo é importante pararmo-nos e fazer uma revisão dessaprendedora da nossa ideia de língua, de variedade, de importância, de necessidades de conhecimentos. 

Isto nos dessensina Teresa Moure no seu Linguística eco- . O estudo das línguas no Antropoceno. O livro é um renovo. Já a autora se achegara ao tema num opúsculo anterior, Ecolingüística: entre a ciencia e a ética1 . A estrutura elegida é a mesma, porém amplia os conteúdos e afunda mais nas relações entre pensamento ecologista e linguística(s). 
 
A proposta é bem singela: todo quanto aprendemos, filólogas, mestras, professoras de línguas, não é outra cousa que uma sucessão de preconceitos que, por não questionarmos, por não repensar, contribuímos, desde as nossas profissões, a manter e expandir. 
 
Assim, Teresa Moure analisa os estudos de linguística e as suas verdades oficiais acolhendo-se a uma perspetiva ecológica, numa combinação que privilegia a diversidade de focos de onde revisar a disciplina e, essencial, acompanhando-se sempre da ética. Se algo aprendemos no processo de leitura desta obra é que tal como não há estética sem ética, não pode haver ciência sem ética. Se algo fica claro acabado o livro é que não acreditamos existirem línguas melhores e línguas piores, línguas para o progresso e línguas para o atraso porque sim, mas porque o aprendemos de quem nos deveria liberar de tais preconceitos: a intelectualidade linguística. Porque a principal utilidade das línguas é serem instrumentos de poder e domínio. E aqueles que as ensinam ocultam sempre este potencial uso das mesmas. Para nós não perceber. E pretendem fazer-nos ver como naturais, lógicos, neutrais, asséticos e científicos processos que só são possíveis desde a violência contra as pessoas e as comunidades. 

A obra, de carácter didático e divulgador, acompanha-se de pequenos exercícios para refletirmos sobre os conceitos tratados em cada capítulo: quantas línguas não europeias és quem de citar? Há vocábulos intraduzíveis? Conheces o Luisenho? Quantos nomes de ervas conheces na tua língua? Fazer as tarefas ao tempo que seguimos a leitura vira incomodidade. A autora tem a capacidade de colocar, naipes boca acima, as falsas ideias, o grande desconhecimento que acumulamos. E sempre é a incomodidade necessária para visualizar a mudança em nós. 

São muitos os sub-temas que trata Teresa Moure. Desde o próprio conceito de Linguística até as línguas menorizadas e as estratégias de luita e resistência para as manter vivas. Do conceito de variedade à limitação dos estudos de campo. Da língua e as mulheres até a perda da riqueza léxica.

A verdade é que é esta é uma obra que devera de ser de leitura obrigada nas escolas e liceus galegos. E não, não polo alunado dos centros, mas por todo o seu professorado. Aquele de departamentos linguísticos em primeiro lugar, é claro, mas em realidade todo em conjunto. Não deixamos de ter a língua como instrumento de trabalho e transmissão de conhecimentos e quiçá é básico sabermos utilizar esse utensílio sem cairmos no abuso de poder. E sem cairmos no fortalecimento inconsciente de preconceitos que condenam à nossa língua, a galega, ao desaparecimento. 

Temos que ser quem de sair aos pátios das nossas escola e atender aos diferentes sotaques e falares e sorrir orgulhosas da diversidade que gozamos. E defendê-la. Rotundas.

Teresa Moure: Linguística Eco-. O estudo das línguas no Antropoceno.
Através Editora 2019

1 Universidade da Coruña, 2011.

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