O primeiro que chama a atenção em chegando a Transmátria é o
Campo das Fogueiras. Serve de faro e aviso. Látego e luz. O mesmo
lume que queimou bruxas, que torturou diferentes, que arrasou fragas,
serve-nos, no país querido, para queimar restos de tempos passados,
fazer cinsa das que prendam novas sementes, alumear o caminho das que
tocam terra.
Ao leste, por onde o sol nasce, damos com a Costa dos Tiracroios,
que, junto a Praia dos Croios, protege o mundo novo daqueles
imbéciles e escuros que não nos entendem, não. Armas de Davides,
intifada direta ao estómago, punhada boxeatriz. Porque a revolta não
renuncia à violência. Nascer uma transmátria exige, por vezes,
expulsar de nós a quem eiva, quem mutila, quem assinala, quem odeia.
Na Seara dos Tijolos colheitamos a força para a luita e para a
construção. Armas de arremeso e muro protetor, dous por um.
Edificar novas casas, corpos novos, sem dever nada a ninguém. Só à
terra que oferece fruito.
Desde as dunas e as lombas de Transmátria divisamos o mar, jazigo
vergonhento daquelas que quiseram chegar a nós e aforgaram. E no mar
gozamos de ver as sereias azuis dos carros antidistúrbios, afogados
também no vómito do seu tão grande peso. E dançamos nas dunas, e
rimos, porque não chegam a nós as parábolas contundentes das suas
bolas de borracha. Na Transmátria não cabem bombardeios, talhes XS
nem gases mostarda.
Nos Cantis da Memória, no canto noroeste da ilha, à sombra das
árvores de bem e de mal, rendemos tributo às que antes que nós
foram, aquelas que luitaram e perderam, as que ficaram sem nome na
história, às despejadas dos desejos, as enclaustradas em corpos
desorbitados. Porque não há lugar se não há memória.
O Outeiro das Barricadas é necessário para enxergarmos o mundo. E
para não esquecer que se não sachamos a luita cada dia, é a
injustiça que nos vence. Eleva-se o outeiro entre contentores de
lixo e velhas cabines telefónicas e bancos de pedra e mupis de
paragens de autocarro. Passa o circular e nós no alto, a marcar as
rotas. Agora o Mar de Belvis, agora Seraogna.
Na Seneira Farpada, resto da fronteira que foi e á que renunciamos
porque todes somos benvindes, clareia prístina roupa. Arrecendo a
tromentelo e sal, livres de lamas e salivas podres e seme
escravizador.
E a sur, na Avenida das Danças, celebramos que sem alegria não
existe revolução que seja nossa.
O Vertedoiro das Dualidades é paragem obrigada para quem chegue a
Transmátria. Um monte de douses acumula-se entre lavadoras oxidadas
e velhos ferros de bicicletas. Douses góticos, pauzinhos romanos,
douses lavancos, douses espelhados. Transmátria renuncia aos
binarismos e aos conjuntivos ou. És neno ou nena, frase impossível.
Na Horta das Identidades nasce a Árvore dos Es. Um novo país, um
mundo novo, pede uma nova língua, que a todes nos inclúa, na que
todes sejamos sem marca, sem tatuagem genérica. À sombra fresca da
àrvore dá os seus fruitos arracimados o peneiro e abrocha as suas
flores a vulvina. Porque na Transmátria o primeiro que construimos
são os nossos corpos e todo vale e nada sobra e nunca falta, na
Horta, pâmpano que nos edifique.
E todos os caminhos, desde o Campo das Fogueiras à Seneira Farpada,
passando polo Outeiro das Barricadas ou os Cantis das Memória levam
à tribu, essa que habita feliz o coração de Transmátria. Um lugar
para pessoas luitadoras. Um lar de imsubmisses.
Nunca poderemos agradecer-lhe bastante a Daniel Asorey o presente
desta utopia. O certeiro conceito que nos alumeia. O mapa que nos
leva, decidides, punho em alto, ao futuro.
Além das pátrias, além das mátrias, uma Transmátria pola que
luitar agora e sempre.
Daniel Asorey: Transmatria. Xerais 2018.
Guia para viageiras luitadoras por Susana S. Arins
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