Guia para viageiras luitadoras por Susana S. Arins


O primeiro que chama a atenção em chegando a Transmátria é o Campo das Fogueiras. Serve de faro e aviso. Látego e luz. O mesmo lume que queimou bruxas, que torturou diferentes, que arrasou fragas, serve-nos, no país querido, para queimar restos de tempos passados, fazer cinsa das que prendam novas sementes, alumear o caminho das que tocam terra. 

Ao leste, por onde o sol nasce, damos com a Costa dos Tiracroios, que, junto a Praia dos Croios, protege o mundo novo daqueles imbéciles e escuros que não nos entendem, não. Armas de Davides, intifada direta ao estómago, punhada boxeatriz. Porque a revolta não renuncia à violência. Nascer uma transmátria exige, por vezes, expulsar de nós a quem eiva, quem mutila, quem assinala, quem odeia.

Na Seara dos Tijolos colheitamos a força para a luita e para a construção. Armas de arremeso e muro protetor, dous por um. Edificar novas casas, corpos novos, sem dever nada a ninguém. Só à terra que oferece fruito. 

Desde as dunas e as lombas de Transmátria divisamos o mar, jazigo vergonhento daquelas que quiseram chegar a nós e aforgaram. E no mar gozamos de ver as sereias azuis dos carros antidistúrbios, afogados também no vómito do seu tão grande peso. E dançamos nas dunas, e rimos, porque não chegam a nós as parábolas contundentes das suas bolas de borracha. Na Transmátria não cabem bombardeios, talhes XS nem gases mostarda. 

Nos Cantis da Memória, no canto noroeste da ilha, à sombra das árvores de bem e de mal, rendemos tributo às que antes que nós foram, aquelas que luitaram e perderam, as que ficaram sem nome na história, às despejadas dos desejos, as enclaustradas em corpos desorbitados. Porque não há lugar se não há memória. 

O Outeiro das Barricadas é necessário para enxergarmos o mundo. E para não esquecer que se não sachamos a luita cada dia, é a injustiça que nos vence. Eleva-se o outeiro entre contentores de lixo e velhas cabines telefónicas e bancos de pedra e mupis de paragens de autocarro. Passa o circular e nós no alto, a marcar as rotas. Agora o Mar de Belvis, agora Seraogna.

Na Seneira Farpada, resto da fronteira que foi e á que renunciamos porque todes somos benvindes, clareia prístina roupa. Arrecendo a tromentelo e sal, livres de lamas e salivas podres e seme escravizador.

E a sur, na Avenida das Danças, celebramos que sem alegria não existe revolução que seja nossa. 

O Vertedoiro das Dualidades é paragem obrigada para quem chegue a Transmátria. Um monte de douses acumula-se entre lavadoras oxidadas e velhos ferros de bicicletas. Douses góticos, pauzinhos romanos, douses lavancos, douses espelhados. Transmátria renuncia aos binarismos e aos conjuntivos ou. És neno ou nena, frase impossível. 

Na Horta das Identidades nasce a Árvore dos Es. Um novo país, um mundo novo, pede uma nova língua, que a todes nos inclúa, na que todes sejamos sem marca, sem tatuagem genérica. À sombra fresca da àrvore dá os seus fruitos arracimados o peneiro e abrocha as suas flores a vulvina. Porque na Transmátria o primeiro que construimos são os nossos corpos e todo vale e nada sobra e nunca falta, na Horta, pâmpano que nos edifique. 

E todos os caminhos, desde o Campo das Fogueiras à Seneira Farpada, passando polo Outeiro das Barricadas ou os Cantis das Memória levam à tribu, essa que habita feliz o coração de Transmátria. Um lugar para pessoas luitadoras. Um lar de imsubmisses. 

Nunca poderemos agradecer-lhe bastante a Daniel Asorey o presente desta utopia. O certeiro conceito que nos alumeia. O mapa que nos leva, decidides, punho em alto, ao futuro. 

Além das pátrias, além das mátrias, uma Transmátria pola que luitar agora e sempre.

Daniel Asorey: Transmatria. Xerais 2018.




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