Fotografía Paula Gómez del Valle
Moxie é uma palavra estranha. Mesmo em inglês. Não é o habitual.
E a Viv gosta dessa palavra justamente por isso, porque assim se
sente ela, estranha, desabitual. Moxie quer dizer coragem, e coragem
é aquilo que sente muitas vezes a Viv na sala de aulas. Coragem
polos comentários dos seus companheiros nunca contestados polo
professorado, sempre conformes. Coragem pola excessiva presença do
equipo de futebol não já na escola, mas na própria vila. Coragem
polas reduzidas possibilidades de futuro que às moças lhes deixa a
vila de East Rockport: emparelhar com um dos jogadores de futebol,
casar, cuidar das crianças, ter um trabalhinho como muito. Viv sente
coragem por todas estas cousas, e mais, mas considera que é a única,
a rara, a estranha, e não se atreve a levantar nem a voz nem a vista
do chão. Continua a sua vida discreta, invisível, cumpridorinha das
normas e sentada cada sexta nas gradas do estádio a oferecer salvas
de palmas ao equipo de futebol.
A Viv tem uma mamai que cuida dela sozinha enquanto trabalha de
enfermeira e que guarda uma caixa no fundo do roupeiro que a Viv
revisa secretamente nos turnos de noite: a caixa da MOCIDADE
MAL-GASTA. Não sabemos se a mamai deixa o tesouro à vista
propositadamente. Não sabemos se a mamai pretendia em verdade
ocultar o seu passado. O caso é que da caixa da MOCIDADE MAL-GASTA
nasce a coragem na Viv para não perder a sua, para alçar a olhada e
a voz, para atuar com ousadia no pequeno mundo do East Rockport High,
de East Rockport. Para virar uma Moxie.
Moxie, de Jeniffer Mathieu pode ser colocado no grupo de
narrativas juvenis anti-autoritárias. Aquilo que o faz diferente, ou
inovador, ou interessante, ou recomendável, ou todo por junto é o
facto desse anti-autoritarismo ir dirigido já não à instituição
escolar, mas ao patriarcado. As raparigas moxie sentem raiva por como
são tratadas no liceu, como o comportamento sexista dos seus
companheiros é aprovado pola direção, como os seus protestos e
denúncias são atirados ao caldeiro do lixo. Mas, ao longo da
narrativa, as raparigas moxie conseguem transformar essa raiva em
coragem, em força numa vaga de atrevimento que se estende polo liceu
até trespassar os seus muros.
Do que gostamos em Moxie é do seu posicionamento explícito desde
mesmo antes da primeira página:
Para todas las adolescentes que
pelean en esta justa batalla.
Y para mi profesor de temas de
actualidad, por llamarme feminazi delante de toda la clase cuando
tenía diecisiete años. Me insultaste, pero también encendiste en
mí la llama del feminismo, así que en realidad te salió el tiro
por la culata.
La venganza es un plato que se
sirve frío, imbécil (pág. 7).
A formosura da obra está no acompanhamento que podemos fazer das
protagonistas, que sim, são feministas, mas como, para que, onde.
Viv pensa que está sozinha, que nenhuma companheira sente o que ela.
Numa tarde de raiva, tirando ideias e materiais da caixa da MOCIDADE
MAL-GASTA elabora um fanzine que distribui nos banhos do
centro escolar. E nos capítulos que seguem somos testemunhas da
força dessa ação e a vaga de sororidade que estende.
O movimento moxie rebela-se como autenticamente feminista: uma rede
anónima sem liderado único, conetado com as que antes luitaram, as
Riot Grrrls das que fez parte a mãe da Viv, mas não guiado
por ela(s). Porque a mamai da Viv é uma mamai de adolescentes de
verdade, que pouco sabe da vida e das cuitas da filha. É a sua caixa
o amuleto que as liga, sem ela saber.
Adoramos ler uma narrativa juvenil que cita versos de Audre Lorde ou
de Angela Davis, letras das Bikini Kill ou da Kathleen Hanna.
Adoramos ler moças a reflexionar sobre as interseções entre
feminismo e classe, feminismo e raça, porque elas o estão a
vivenciar na escola, não porque o leiam em manuais escolares (risos
contidos, em que manuais escolares, ouh?). E adoramos (atenção,
vamos estripar o final) que saiam ganhadoras, em manada, na sua
pequena luita no East Rockport High, em East Rockport. Como, para
que, onde? Para isso é preciso ler.
Nuestros cuerpos se mueven al
mismo ritmo, formando un grupo homogéneo de chicas que se lo pasan
bien. Mientras observo a Lucy dar vueltas y mover sus rizos oscuros,
y oigo a Claudia reírse y cantar (muy mal), se me ocurre que esto es
lo que significa ser feminista. No humanista, ni igualitarista, ni
nada. Feminista. No es una palabra sucia. Después de hoy, tal vez
sea mi palabra favorita. Porque, en realidad, lo que significa es que
las chicas se apoyan entre sí y quieren ser tratadas como personas
en un mundo que siempre encuentra maneras de decirles que no lo son
(pág. 253).
Jennifer Mathieu: Moxie. Editorial Planeta 2018.
Sentir coragem. Ter coragem. Ser uma moxie por Susana S. Arins
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09:25:00
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