Da simbiose entre as margens por Susana S. Arins



Há livros bons, há livros melhores, há livros necessários. E depois estão os imprescindíveis. 

Não estou segura de onde colocar este dos feminismos e a LIJ galega mas, na minha condição de feminista e mestra e escritora e crítica, aí lhe anda, entre os necessários e os imprescindíveis. 

Feminismos e literatura infantil e xuvenil en Galicia é um resumo/síntese da tese de doutoramento de Montse Pena Presas. O objetivo do seu trabalho é revisar a crítica feminista à LIJ e comprovar se esta deixou pegadas no sistema literario galego. A autora faz un recorrido desde os inícios na Galiza dos dous campos: o dos estudos feministas e o da produção de literatura infantil e juvenil, analisando se há ou não influências e relações entre esses dous espaços. Para isso recorre à clássica periodização cronológica, estabelecendo etapas desde a década de 20 do século passado até a atualidade. 

Montse Pena estuda dous mundos marginais, não heterodoxos, nos seus respetivos campos: o feminismo entre as ideologias e a LIJ no sistema literário. E no recorrido que faz para nós, vemos como essa marginalidade fica refletida na ausência de visibilidade, mesmo no ocultamento, das suas respetivas achegas à cultura galega. 

Na primeira parte do livro, na que para a analisar a existência de crítica literária infantil desde os movimentos feministas, damos com duas mostras deste silenciamento: a ausência de bibliografia sobre o tema, de materiais críticos, e de corpus de obras sobre as que trabalhar. Trabalho que deve fazer a autora se quer pesquisar, pois (quase) nada antes. Porque o movimento feminista houve de mover-se nas margens, fora dos espaços académicos e, só por isso, pode parecer que não existiu. Mas rastrejando as suas pegadas nas revistas da época, transcende a existência, sim, de grupos de mestras a trabalhar por boa parte do território na elaboração de materiais coeducativos e mesmo de materiais literários. 

E vem aí a segunda mostra: as mulheres escrevemos literatura bem antes do que as academias e as histórias literárias oficiais marcam, só que estas unicamente atendem a literatura adulta, esquecendo a pensada para crianças que, igual que as mulheres1, entra dentro do campo da não-literatura. E assim, Montse Pena recupera os nomes das pioneiras e adianta anos o aparecimento de autorAs no sistema galego. Onde as histórias literárias académicas dão espaço às mulheres nos inícios do século XXI, Pena Presas coloca-nos o Pericles e a balea de Xohana Torres como título pioneiro, e dá conta da entrada doutras mulheres no sistema (Sabela Álvarez, Gloria Sánchez, María Victoria Moreno, Fina Casalderrey…). 

E este é outro dos elementos dos que gostamos na obra: a proposta de básicos, dum cânone de literatura infanto-juvenil feminista, arriscando a fazer uma proposta de obras fundamentais que nos podem servir de guia a mestras, bibliotecárias e todo tipo de mediadoras. Só por esta proposta, com obras recuperadas2, obras reivindicadas3, obras reinterpretadas, devera ser livro de leitura obrigada para todas as mestras, bibliotecárias e mediadoras que no mundo somos.

Nesta seleção crítica de obras vamos comprovando outra das hipóteses de Montse Pena: o movimento feminista sim influiu na literatura infantil e juvenil galega, mais qualitativa que quantitativamente, e achamos que para bem: diversificação de temáticas, presença de protagonistas femininas, subversão de roles tradicionais, e em especial, a conceção da produção literária como um espaço ético. A primeira achega do feminismo foi introduzir a leitura crítica das obras LIJ hegemónicas, evidenciando a ideologia submersa (e nem tanto) nelas, para no seguinte passo, oferecer textos alternativos, com perspetiva de género e fundo ético. Como acontece com a literatura para adultas, comprova Montse Pena como muitas das autoras que seguiram esse caminho foram desprezadas por “ideológicas”, incidindo nessa falsa dicotomia entre hegemónico/masculino/neutro vs. marginal/feminino/ideologizado.

Feminismos e literatura infantil e xuvenil en Galicia não só oferece uma panorâmica histórica sobre as relações entre a LIJ galega e os feminismos que permitem perceber melhor o presente do sistema literário, mas faz também apostas de futuro. Quer dizer, a autora fecha a obra com toda uma proposta de roteiros de estudo e crítica, vias de pesquisa possíveis e potenciais, que marcam a riqueza desta simbiose entre essas duas margens, que na suma, fazem centro. 

Retifico. Sim estou segura: imprescindível.


Montse Pena Presas:
Feminismos e literatura infantil e xuvenil en Galicia.
Laiovento 2018.

1Reduzidas em múltiplas ocasiões a não-homens.
2Sinto, tenho que citar A pequena aventura do Oscariño, de Gloria Sánchez, lembrado tantos anos após.
3Penso n’O segredo da Pedra Figueira de María Xosé Queizán.
Da simbiose entre as margens por Susana S. Arins Da simbiose entre as margens por Susana S. Arins Reviewed by segadoras on 09:21:00 Rating: 5

Ningún comentario:

Con tecnoloxía de Blogger.