O Xoel vive imerso na virtualidade de uma vida entre a escola e o
ecrã. Como a de tantas adolescentes. Uma escola alheia e uma consola
alheia também. Merlo Branco, um anônimo internáutico,
propõe-lhe uma série de reptos por arrancá-lo da abulia em que
vive (abulia, mas que é isso, um insulto, um palavrão?). Para
resolver os enigmas melrazes, o primeiro deles, o significado do
abúlico, o Xoel contará com a ajuda da sua panda, integrada pola
Laura, o Daniel, o Fábio e a Eunice.
Marica Campo recolhe a estrutura das Aventuras dos Cinco, de
Enyd Blyton, e transforma-a para colocar-nos a rapaziada do século
XXI a desvendar mistérios semelhantes àqueles de Georgina e
família. O Xoel passa de utilizar o computador e os recursos da rede
para esconder-se da realidade e sumir na apatia daquele que o tem
tudo, a fazer deles uma ferramenta para sair a descobrir o mundo que
o envolta.
O Merlo Branco peteira nele o suficiente para esporear a sua
curiosidade e demostrar-lhe que com ela acompanhando, a vida é muito
mais interessante.
E lá vam o Xoel e a panda na busca do merlo branco (existem?), atrás
da tomba do herói inglês que deixou atrás uma pantasma, do castelo
que guarda beijos nas escadas, dos protetores alcolitos (por vezes
acontece), ou do Blackbird, esse moto-veleiro que anda a construir o
avô don Santiago. A través destas pesquisas, vai-se fortalecendo a
amizade entre as crianças e, em especial, o vencelho entre avô e
neto.
A autora aproveita a história para incluir nela, à maneira de
pílulas, temas de arte, geografia, literatura, música, educação
ambiental, corrupção urbanística… As crianças aprendem
ornitologia básica, essa que já perdemos em muitos lugares,
diferencia um merlo de uma pega de um peto de um tordo; sabem de John
Moore e dos Beatles; aprendem o que foi o projeto Blackbird, a
etimologia dos seus nomes, as diferenças do seu galego com os outros
galegos do mundo ou a origem das figas; descobrem um campo de antas e
resolvem a ameaça que assoma pola banda da alcaldia: a expropiação
das terras do avô do Xoel.
Para que todas estas sub-tramas liguem bem e não pareçam forçadas,
a autora utiliza dous elementos: a figura da narradora, entremetida,
opinadora e sabedora de todo, mesmo daquilo que as personagens
ignoram. Mas, sobre todo, reclamante da atenção das leitoras para
os pormenores importantes. Exerce explicitamente o seu rol de
organizadora da narrativa e muda de espaço e tempo quando o
considera necessário, indicando os seus passos atrás e adiante, da
vila à aldeia, da escola à casa dos avôs, da atualidade aos anos
sessenta.
Por outra parte, a escolha das personagens. Boa parte delas têm
estudos e trabalhos relacionados com parte dos temas surgidos na
narrativa, de maneira que serão essas personagens as encarregadas de
fornecer-nos informações e dados necessários para avançar na
trama: o avô engenheiro, o pai advogado, a mamai médica, uma outra
mãe arqueóloga. Só que com estas vímbias, é claro, a história
fica situada num contexto sócio-económico quiçá algo artificioso:
as crianças podem fazer e desfazer sem problemas, têm sempre alguém
que as traia e leve aonde queiram, têm todas famílias acolhedoras
que favorecem as suas aventuras… Bom, em realidade, como nas
Aventuras dos Cinco, de Enyd Blyton.
E, por ser uma narrativa dirigida a adolescentes, não podiam faltar
os enredos amorosos. E aqui é onde para nós range a narrativa.
O prota é um menino, o Xoel.
O prota gosta de uma menina, a Eunice.
Tacháááám! O prota consegue a menina.
É certo que é ela quem dá os primeiros passos no amorio, e assim
racha com a norma social. É certo que ela vê como dous moços
competem pola sua atenção e deixa claro na narrativa que não é de
ninguém. Mas a cena final em que se oficializa a relação de
parelha faria com que, se a Eunice for coerente, mandasse a tomar
vento ao Xoel:
“Riqui aproveitou
aquel momento para lle coller o sitio ao lado de Eunice. A rapaza
protestaba e pedíalle que marchase cando Xoel volveu.
- Riqui, moi
agradecido por coidares a miña moza mentres estiven ausente. Agora
déixame sentar.
Díxoo con tanta
firmeza que Riqui se ergueu decontando e volveu ao seu posto. Desde
alí botáballe olladas asasinas, mais el non se daba por avisado.”
(pág. 215)
Porém, a sub-trama que mais nos incomoda é a do passado do avô.
Don Santiago é viúvo. Criou sozinho à filha Carme, após voltar da
Califórnia, onde trabalhava de engenheiro na Lockheed. Mas no meio
da narrativa confessa-se com o neto. Com o neto, insistimos: em
realidade, não é viúvo. Encontrou à mulher com um amante e fugiu
com a menina de ambos a outro país (este) para criá-la como órfã.
A conversa com o neto parece-nos arrepiante. A autora coloca no
cativo a pergunta de se os quereria matar, e a resposta do avô…
“- E ti que
fixeches? Non che deron ganas de matalos?
- Si… e non.
Pero abofé que comecei a odiala. Nun primeiro momento teríaos
esganado aos dous, mais eu penso o que fago. Coido que todos
os que asasinan à muller cometen un crime execrable, mesmo
que esta lles sexa infiel. Son xente primaria, que non lle pon
cancelas aos seus instintos…” (pág. 113, os itálicos são
nossos).
Quer dizer, atuar de maneira racional é castigar à mulher com o
sequestro e roubo da filha.
O avô deposita toda a responsabilidade do segredo no Xoel. Obriga ao
neto a conhecer uns feitos que tanto afetaram à vida da sua mamai,
Carme, sem permissão para contar-lho à vítima. Certo é que o avó
mostra explicitamente o seu arrependimento, certo é que aparece a
cantiga da Joan Baez, O preso número 9, com uma crítica aos
assassinatos machistas, mas algumas lemos até o final, aguardando o
momento da filha saber da mãe pródiga. E continuamos a aguardar.
Porque aquela narradora governadora dos fios da trama decidiu que não
era assunto nosso:
[Carme
e Paco]… convidáronos a visitar Galicia para exerceren eles de
anfitrións e compensaren, no posible, tantos desvelos. Linda
respondeu que ese era o seu maior desexo, que a non tardar moito
estarían aí. E fixérono.
E a voz do sangue non calou, mais esta é outra historia que deixamos
à imaxinación dos lectores e das lectoras.
(pág. 210, itálicos da nossa resposabilidade)
Xoel aprendeu a voar. Carme desconhecemos. E, neste conto, quiçá
era ela quem nos interessava.
Marica Campo: E Xoel aprendeu a voar. Oqueleo 2017.
Aprender a voar com às decepadas por Susana S. Aríns
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