Fotografía Paula Gómez del Valle
É lindo ler em trajetória… avançar com a autora e acompanhá-la
na sua evolução como escritora, na construção do seu estilo, na
depuração dos seus interesses, na profundização das suas
personagens, na cimentação da sua voz.
E isto é o que sentim ao ler o volume de relatos de Margaret
Drabble. Seique são os relatos completos numa edição preciosista
(como tantas) de Impedimenta. Isto é importante, porque é a causa
desta autora entrar na minha vida: um título sugestivo, uma capa
atraente, uma contracapa sedutora e zás, servidora que paga o prezo
e leva para a casa. E como tantas vezes, lemos na lapela os biodados
da autora e não percebemos como chegam a nós tantos senhores
desinteressantes e tardamos anos (uma já vai numa idade) em aceder a
autoras com semelhante trajetória. Quer dizer, uma nova prova de que
ninguém fala de nosoutras nisso da globalização e o imperialismo
cultural anglosaxão.
O caso é que enredei nos contos. Quase todos protagonizados por
mulheres. Co-protagonizados. Extranhas num comboio, ex-amantes de
reencontro casual, casal em viagem de noivado, amantes em incógnita
viagem … e sempre combinando, aí a atração, o ponto de vista da
mulher protagonista os eventos de cada conto. Todas as suas mulheres
vivem imersas nas suas fantasias e pensamentos, que muitas vezes
contrastam, deformam, ironizam, a realidade exterior que nos mostra a
narradora. Ao início. Porque, numa subtil e permanente mudança,
lemos como passam a ser as protagonistas absolutas de cada conto,
para rebordar nos últimos do volume, os mais recentes da autora, com
as suas vozes rotundas e magnetizadoras. Já essas fantasias e
pensamentos invadem a trama para ocupá-la por inteiro e, assim o
percebemos, focar o interesse da Margaret Drabble no momento de
construir o texto.
Marca o giro, quiçás, o conto que dá título ao volume: Un dia en
la vida de la mujer sonriente. Havia uma vez uma mulher, começa. E
acedemos aos quartos ocultos por trás do sorriso duma jornalista
televisiva de grande sucesso. A partir de aí sempre acontece assim:
nas primeiras linhas sabemos duma mulher, Elsa, Elisabeth, Hanna
Elsevir, Mary Mogg. Todas elas diferentes, todas elas de verdade
(têm a regra, estão fartas de cuidar pessoas, mimam de mais as suas
crianças, suportam humilhações maritais) e todas elas rompendo com
os ténues cabos que as ligam à vida normal, ao adequado, ao
esperável numa viúva, numa famosa atriz, numa prémio nóbel, numa
professora.
Adorei, sobre todas as cousas, a subtileza com que são narradas e
expostas as opressoras vidas matrimoniais, a invisiblidade do
maltrato psicológico, a imperceptível, portas afora, violencia
machista, a pressão para serem as mulheres que devem ser. Nisto é
exemplar e marabilhoso o conto da viúva alegre. Literalmente assim.
Feliz de sentir-se livre. Gozando por fim duma afição tão
inofensiva como desprezada polo defunto homem: identificar classe e
espécie das flores silvestres.
E os finais sem final. Deixar-nos assim, não na dúvida, mais com
a oportunidade de fecharmos nós a história. Ou com a certeza de que
há histórias que não devem de ter final. Assim? Já?
Perguntavamo-nos nos primeiros contos. Assim. Já. Afirmamos, entanto
sorrimos, nos últimos.
Porque aprendemos.
Margaret Drabble: Un día en la vida de una mujer
sonriente. Relatos completos.
Tradução de Miguel Ros González. Impedimenta 2017.
Mulheres que fazem sorrir por Susana S. Arins
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10:43:00
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