Quarto
próprio
Criada numa família numerosa com casa pequena e todo comunal, nunca
achei de menos um quarto próprio. Até o ter. Fui estudar a Santiago
e contei com um quarto nos depauperados pavilhões do Burgo, graças
aos quais tantas pudemos fazer carreira. E aí desatou-se a minha
atividade escritora. A soidade era pouca: paredes de papel e muita
atividade estudantil, mas fechada a porta, o mundo era todo meu. E
quando tive outra vez um quarto próprio, em Lisboa, acompanhado da
solidão mais absoluta (sozinha numa cidade desconhecida), aí foi um
não parar. Cadernos, cadernos, cadernos. Creio que foi em Lisboa que
li a Woolf e senti que eu estava a viver o processo que ela narrava
no ensaio.

Porém, com o tempo, cai noutra conta: quase todas as ideias para a
escrita nascem-me de conversas, encontros, anedotas, acontecidas no
trabalho, na festa, no café, na compra. Sobre todo de conversas. E
dei em ver que do que eu preciso é da exata e certa combinação
entre soidade e companhia, intimidade e comunidade. Tenho que
dialogar no mundo para poder esconder-me no meu acovilho e escrever.
Por isso penso que o quarto próprio de Virginia Woolf deve ir
acompanhado de vida em comunidade, de encontro.
Em tendo essas parcelas, o resultado é a criação.
Para mim foi objetivo vital. Criada numa família numerosa com casa
pequena e todo comunal queria contar com um quarto próprio. E dei.
Edifiquei um maravilhoso refúgio para agachar-me de vós e com todo
a mão: luz, livros, impressora, lembranças, dicionários… mas
também é certo que quase sempre o refúgio é bem mais simples:
sofá, manta, livro e computador.
O quarto de Susana Aríns
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19:16:00
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