A transição como mentira

Imagem: Paula Gómez del Valle.


Susana Sánchez Arins


Duas personagens rememoram o passado e decidem contar-nos o que tal lhes aconteceu. Uma desde o hoje revisa o seu primeiro trabalho como jornalista. A outra é a pessoa objeto da sua pesquisa. E sabemos. O protagonista nasce ao jornalismo em plena transição espanhola, num jornal que poderia bem ser transunto do Elpaís. Por azares da vida, chega a responsabilizar-se da redação duma exclusiva que conseguem os seus chefes: a entrevista a um assassino em série a ponto de morrer e desejoso de contar a sua versão. De confessar. E a história deste criminal leva-nos ao golpe de estado de 36 e à repressão posterior.

Guiar o carro em solidão dá para cismar todo na vida. Por vezes pode entreter-nos a emissora de rádio, o parte, as músicas na moda, mas acabamos por cair no pensamento, na auto-confidência. Funciona a cabina como céu protetor. Recuperamo-nos na nossa intimidade, lembramos, reconduzimos atitudes, reinventamos conversas e predizemos comportamentos. É na road-movie que nos podemos permitir a verdade. Sermos quem somos. Levamos uma mão ao guiador, calcamos o travão com o pé e sinceramo-nos. Construimo-nos em cada um dos quilómetros que recorremos durante horas. Isto é o que não faz o protagonista [e narrador] de Transición. Cruza a meseta na busca do lugar inominado e só sabemos, na viagem, das paradas e do conteúdo dos sandes que toma no caminho. E desta maneira toda a narrativa. Anda doente com o mundo, mas não chegamos a acreditar nele porque nunca, em momento algum, partilha com nós a sua intimidade. Pode que confesse, como em balcão de bar. Pode que nos revele algum segredo. Escatológico, provavelmente. Mas a confidência, que requer cumplicidade e cordialidade, essa, não chegamos a senti-la. Não somos depositárias da narrativa. Somos simples destinatárias duma mensagem adulterada.

Assim, conhecemos as duas estórias, de um personagem, do outro, com todos os pormenores: com todos os cruéis e desnecessários pormenores. Porque se algo desconseguimos a medida que avança a leitura é amigar com nenhum deles. Acedemos à vida privada de ambos, em especial do protagonista, mas não acedemos ao seu âmago. Quiçá seja essa a principal falência da narrativa. O texto não deixa de ser uma continuidade de ações, movimentos e deslocamentos do jornalista; sabemos que janta, que opina de quantos o rodeiam (sempre o mesmo: eles cabrões, elas putas) e mesmo quando bota peidos e vive más digestões, mas não sentimos em nenhuma das linhas que lemos que esteja a ser franco com nós, não deixamos de percebê-lo como uma mostra de afetação, de moço que pretende parecer fanfarrão e não deixa de ser inexperiente jornalista. Ajuda a isso o tom do narrador, chulesco e desprezativo. E assim como nos são outorgadas as razões do assassino para assassinar, desconhecemos as de tanta chularia e desgabo. Contribuem, também, as escolhas linguísticas para caracterizar a sua fala, com tipos, conas, fulanos, lurpias, putas, e paisanos em excesso e mesmo adaptações de todo inadequadas1.

É provável que esta incapacidade para seducir-nos que tem a leitura venha dada, também, polo facto de haver um leitor implícito claramente definido. Vem a ser esse leitor pirolo, que fazemos depositário (pode que entre eles sim se dê a intimidade que nós não encontramos) do autor de estilo cipotudo que caracteriza com precisão Íñigo F. Lomana2. O texto ressuma testosterona, cheiro a tabaco, alento a álcool e, sobretodo, referências humilhantes cara às mulheres estradas pola narrativa.

E damos aqui com outro osso: o tratamento conferido às personagens femininas. Todas de adorno, é claro. Todas comparsas do protagonistas. E sempre sentindo-se eles (narrador e personagem) com direito a tratá-las de maneira vexatória: “o meu cicerone anunciou a un par de secretarias que eu ía con el, ao que elas responderon cun sorriso nos beizos e as bragas á altura dos nocellos” (pág. 12). Nas redações da década de 80 andavam as margaridas ledo e as tareixas navaza a a mecanografar as suas crónicas en velhas olivettis, mas nesta narrativa as únicas mulheres que aparecem som secretárias cachondas, esposas ofendidas, freiras grosseiras e viúvas fanáticas. O narrador não é consciente daquilo que refletem as suas frases, porque não duvida em qualificar as que pronunciam outras personagens, esquecendo o seu alter ego juvenil: “a verdade é que é ben guapa, e lista ademais – machismo condescendente -. Vinte e cinco aniños. Un bocado maior ca ti.” (pág. 14, itálicos meus). O mesmo machismo condescendente (não assinalado) da personagem protagonista: “«Non sei moito de putas, pero non creo que ti pases por unha», respondín mentres lle desenleaba o pelo con coidado, «é só que estás soa»”(pág. 149). Na distância dos anos, do tempo transcorrido, o narrador deita comentários retranqueiros (ou cínicos) nos que valora a posteriori comportamentos e atitudes3, porém esta reflexão não chega às mulheres e ao tratamento que recebem por parte das personagens. Porque nem sequer são sentidas. Nem atendidas. Nesse sentido, era desnecessário distanciar o narrador da história. Quase era melhor que a contasse em presente o jornalista inexperiente: teria a desculpa da idade.

E mais elementos rangem em nós. Como a sensação, violenta, de que toda a história que se nos conta da guerra civil é posta ao serviço de um assassino múltiplo. Quando devera ser ao invés, os crimes franquistas desvendados servem só para justificar crimes posteriores, despolitizados e descontextualizados, reduzindo a violência fascista a crimes sexuais e a um assunto de vinganças pessoais. E silenciando, outra vez, as vítimas inocentes. Porque acabamos a leitura e nada sabemos da mulher e as duas crianças (nem os nomes sequer) que o senhor Aurelio matou. Comparsas em toda esta história.

Um jornalista revisa desde o hoje o seu primeiro trabalho. Mas essa distância não faz que revise a sua história, a sua intimidade, nem que reconduza a sua atitude, nem que reflexione criticamente sobre o passado e como decidiu vivê-lo.

É certo. A mal-chamada Transição é uma grande mentira.


Pablo Fernández Barba: Transición. Urco Editora 2016.





1  Por exemplo: “Se aquela noite non tivera corpo para pactar un cefalópodo de rocha cunha rapaza como aquela, tampouco o tiña para…” (pág. 171, itálicos meus).
2  Íñigo F. Lomana: En la era de la prosa cipotuda. El Español, 21/10/2016. http://www.elespanol.com/cultura/libros/20161021/164863513_13.html

3 “Fixeron un par de comentarios sobre os collóns que lle botara ao asunto, algo sobre que me conducira como un home co traballo aquel -demostrando que o machismo patrio non era patrimonio exclusivo dos taberneiros-” (pág. 47/48).

Comentarios

  1. Escacharrante, nomás.

    Como son de natural ben pensado, voume arriscar a caer no "mansplaining" ese (no meu caso, prefiro o termo "explainingpeople", porque son de repartir sopa con tirafonda con independencia do xénero do comensal) e vou procurar responder punto por punto a este segundo intento de linchamento.

    Ocorre que, cando un escribe (eu polo menos), adoita facelo, en primeirísimo lugar, para un mesmo. Non pensa no destinatario. Non pensa no lector ou lectora. Pensa no tumor que ten dentro e que ten que quitar. E, ben que mal, quítao. Por suposto, a excrecencia extirpada non ten por que gustar, pero é o que hai: a iso arriscámonos todos.
    Pretender escribir pensando no gusto de quen che vai ler é outra cousa. Respectable, por suposto, pero coñecémolo produto comercial. Produto que pode incluso ser bo, coidado. Mais literatura... literatura non é. Calquera pode comezar pensando que si cando redacta un conto para nenos (escrita "exemplarizante, benpensante e buenista"), pero seguir pensando que a narrativa para adultos calza o mesmo pé... en fin, nesas estamos e por iso cada día gañamos máis lectores.
    Cando escribín Transición, non o fixen pensando no xénero dun lector ou lectora que, entre nós, o máis seguro é que nunca fose existir. Pero menos aínda, pensando en que carallo querería este ou esta que pensase o protagonista mentres viaxaba en coche (catro páxinas dunha transcendencia, seica, brutal na historia: primeira mención ao dedo, á Lúa, e aos ollos que miran). No que si pensei, foi na mala baba que quería descargar na historia. Sen reparar en xéneros. E o mesmo que hai unhas viúvas fanáticas (sufrinas eu de neno ás portas dun cine en Madrid, de aí parte a novela), monxas groseiras (tamén), secretarias cachondas (ignoro se a autora visitou as instalacións do que darei en chamar un importante xornal madrileño en 1988, pero dou por feito que non á vista da xerarquía laboral que ela pensa que alí había) e unha prostituta, tamén hai homes machistas, "trepas", puteiros, miserables, ruíns, violadores e asasinos de nenos. O propio protagonista, un deles: un home.

    ResponderEliminar
  2. Resulta curioso que a autora só reparase no 50% das eivas descritas, sempre segundo xénero. E conste que por un momento pensei que foi porque, logo dunha vida de sometemento e privacións provocadas por "nós, os homes", ela pensaba que somos todos así, e que esa é a nosa condición biolóxica, mentres que as fanáticas relixiosas, as monxas groseiras, as secretarias e as prostitutas, inventáraas eu. Pero daquela reparei no tamén curioso detalle de que a autora decidise pasar expresamente por alto a Lorena, unha muller que, malia vivir insultada e menosprezada por todos baixo o estigma de ser nai solteira nunha aldea deixada da man de deus alá por 1988, segue adiante coa súa vida sen claudicar ante a opresión machista da súa contorna, e pensei se non habería certa mala intención na crítica (un falar) verquida.
    Tanto ten. O caso é que cando só se pensa na literatura coma unha ferramenta para adoutrinar, remata un (ou unha, de ser o caso) caendo no tópico, e pasa o que pasa: comézase vendo machismo onde só hai mesquindade, e remátase banalizando a crítica ao que viviu este Estado durante décadas porque non se fala explicitamente de política (segunda mención ao dedo, á Lúa, e aos ollos que miran). A literatura, namentres, pasea pola porta. E con ela, a lectura intelixente: por suposto que o personaxe non reconduce a súa actitude en ningún momento. Nin de novo, nin de vello. En realidade, aí radica a súa ruindade. E só contra o final acepta ter levado unha vida de luxo baseada na mentira, pero cando lle pechan, precisamente, a billa dos cartos. Obviamente, o importante non é a caída do ídolo. O importante non é que hoxe esteamos onde estamos por culpa, precisamente tamén, de persoas coma o personaxe. O importante non é que o protagonista (xa non digamos o señor Aurelio) teña máis negros que brancos. Non. O importante é que despois de duascentas e pico páxinas, o personaxe non adopta un discurso crítico a prol do feminismo (terceira e derradeira mención ao dedo, á Lúa, e aos ollos que miran).

    ResponderEliminar
  3. P.S.1: Quero pensar que foi intención da autora poñerme á altura narrativa de Jabois e de Tallón (non creo, loxicamente, que pretendese ofenderme comparándome con Reverte), polo que non podo marchar de aquí sen lle dar as grazas. Pero non: xa me gustaría a min.

    P.S.2: O do "cefalópodo de rocha" tivo gran acollida non só entre as persoas do xurado que premiaron a novela, senón entre unha morea de xente (de ambos os dous sexos, coidado) que a leu e así mo fixo saber. Ignoro o grao de vinculación destas persoas coa campaña pola infantilización e a corrección política que dende distintos eidos do mundo editorial se está a perpetrar (e non miro a ninguén), pero dende aquí o meu agradecemento. Non por min, claro, senón polo seu esforzo en salvar o que quede da narrativa patria, que tantos foguetes está a lanzar dun tempo a esta parte mentres a poesía mira como dicindo "seguirá tocando a banda cando a auga lles chegue polo pescozo?". No entanto, confío en que desculpe os palabros "tipo", "fulano", "lurpia", ou "paisano", pero un personaxe que naceu e medrou en Ciudad Lineal non podía falar doutro xeito (isto, lonxe de ser condescendencia, é unha constatación de algo que a autora seguramente xa sabía logo de pasar a súa infancia naquel barrio).

    P.S. 3: Non sei aquí que tipo de expresións gastarían as rapazas a finais dos anos oitenta e principios dos noventa, pero as frases "se me cayeron las bragas al suelo" ou "si lanzo las bragas contra la pared, se quedan pegadas" aprendinas das miñas compañeiras de instituto mentres partillabamos as nosas andainas de fin de semana nos arrabaldes de Madrid. Procurarei poñerme en contacto con elas para as reprender, pero alá van máis de cinco lustros e non sei eu. No entanto, espero se me disculpe a linguaxe: considérese unha vítima colateral da emancipación temperá das miñas amigas,mais non ten nada que ver co trato irrespectuoso cara xénero ningún. Non sendo, claro, que unha muller que manifeste apetito sexual con linguaxe pouco académico estea cedendo ao heteropatriarcado. Porque daquela, que manden parar isto, que eu baixo.

    ResponderEliminar
  4. - O teu libro non me gusta.
    - E lo?
    - Por esto, esto e e mais esto...
    (tírase ao chan ponse azul, chora, e patalexa)
    - Pois debería gustarche porque é brutal escribino eu!
    - Xa, pero creo que non reflictes ben o sentir das..(interrompe)
    - Feas feministas, locas !! buaaaaaaaahhhh (marcha moqueando)

    ResponderEliminar
  5. Este comentario foi eliminado por un administrador do blog.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Este comentario foi eliminado porque contén alusións directas á vida privada de persoas alleas á Sega (ben, en realidade ningunha segadora se sentiu aludida, se ía por ela).
      Na Sega aceptamos os comentarios críticos co noso traballo. Fai parte do debate. Mais sempre que sexa co traballo, non coas persoas, que merecemos todo o respecto.

      Eliminar

Publicar un comentario