Sempre alerta, sentinela!


Imaxe: Paula Gómez del Valle
Por Susana Sánchez Aríns

Gostamos das narrativas carcerárias. Tenham o formato que tenham. Cinema, serial televisivo, banda desenhada, romance. É, entre os cronotopos batjineiros, um dos mais atrativos e românticos: todo um mundo reduzido a uns metros quadrados. A mais grande miséria e a mais imensa generosidade. A utopia da fuga possível. A luita e a dignidade. Sim. Gostamos de narrativas carcerárias.
E a ela se acolhe María Xosé Queizán na sua coleção de contos Sentinela, Alerta! para contar-nos a ditadura. As ditaduras. Que melhor maneira de representar a represão, a tortura, a arbitrariedade, a desumanização, que referi-la desde as relhas da prisão, desde as grades que degradam as pessoas até fazê-las sentir-se imundas.   
Bom exemplo disto é o conto O sodomita, em que o protagonista aprende a sexualidade como violência e dominação. Moncho é o elegido polo preso mais brutal do cárcere para marcar o seu poder. Neste caso a brutalidade não a exercem os funcionários mas um suposto igual. Mostra da perfeição de um sistema em que os vitimários chegam a ser aqueles que partilham (outras) injustiças. O que fere cruelmente ao protagonista é não ser o elegido por atração sexual, por gosto erótico do agressor. Não há razão que explique por que Rúper o escolhe. Simplesmente toucou-lhe, igual que lhe tocou estar preso sem uma causa que o justifique. A violência que exerce Rúper é consentida polas pessoas que deveram cuidar dos presos. Quando Moncho pede ajuda ao funcionariado, só recebe olhadas de esguelho, comentários chocalheiros e palmadinhas nas costas. Ánimo e a aguentar! Ao sistema convêm-lhe contar com homens como o Rúper. A estadia de Moncho na prisão vira inferno ao ser acompanhada dum castigo extra: a violação permanente por parte do Rúper. Que lho deixa claro: ele não goza do sexo, goza do seu poder para causar dor.  Não gosto de ti, gosto de ver quanto sofres. Tortura e desumanização.
Mas é mentira que sejam os cárceres mundos em redução, porque fogem à diversidade de gênero. As prisões ou são de homens ou são de mulheres. Elas não entram nos cárceres deles. Eles só entram nos delas como autoritárias autoridades. A interação que se pode dar entre eles e elas é só a do funcionário sobre a presa, a do torturador sobre a torturada. A da dominação. Por isso não são os presídios mundos em redução.
Ou sim.
Claramente o leu María Xosé Queizán. Nada como a represão, a tortura, a arbitrariedade, a desumanização que acolhem os cárceres públicos para representar, sem ambiguidades, a represão, a tortura, a arbitrariedade, a desumanização das grades privadas que marcam as vidas de muitas mulheres. Bom exemplo disto é o conto O sodomita, em que o protagonista aprende a sexualidade como violência e dominação. Como tantas mulheres todos os dias.
Três contos, o que dá título ao volume o os dous centrais na organização do volume, marcam esta leitura feminista: Sentinela, Alerta!, Lei de fuga e Folga de fame. Contos carcerários, seique. Mas não só de penais.
Os dous primeiros acolhem-se à mesma estrutura: contar duas histórias em paralelo.
Em Sentinela, alerta! essa voz, grito dado a cada hora polos guardas da prisão, marca o passo do tempo e a conexão com o mundo das protagonistas: o preso levado ao poço, espaço fechado de tortura, e a mulher do direitor do cárcere, que chegou tarde de fazer a compra.
Em Lei de fuga são-nos contados dous planos paralelos: o do grupo de presos que prepara a evasão do cárcere e a da mulher que decide pedir o divórcio.
Aprendemos nestes contos que as estratégias de dominação e controlo são as mesmas para as presas políticas e para as mulheres maltratadas. A primeira é o contraste entre imagem pública e privada: esse direitor, de moral irreprochável, cumprimento estrito das normas sociais, apariência pulcra e aseada, que retira a carauta quando trespassa as portas do lar. Outra arma, o medo ao que será: o funcionário torturador não faz nada ao recluso. Só o avisa. Imos-che fazer de todo! E o recluso sabe que pode. Desejarás não ter nascido. E essa angústia, a consciência de que sim, podem fazer dele quanto queiram, é a tortura mais imobilizadora. O mesmo acontece à mulher do direitor. Ele saca a pistola. Não chega a usá-la, porém é suficiente. Ela sabe que se dispara para o mundo terá razão. ele era um preso homosexual. Ela uma esposa desobediente. No conto Lei de fuga encontramos a outra arma da dominação: a a invisibilidade exterior, o mito da denúncia falsa: por algo será que estás preso, por algo será que che levanta a voz, que che agrede. Algo haverá que não cumpres. Se foses como todas, não terias problema. A complicidade de quem devera prestar ajuda: a amiga que não acredita homem tão respeitável fazer nada mau protas adentro.
O meu conto de preferência é o titulado Folga de fame. Central na estrutura do livro, junto com o de Lei de fuga. Eu creio que intencionadamente. Se em Lei de fuga é escenificado o fracaso da luita contra a opresão, Folga de fame mostra o caminho da liberdade. Um caminho que questiona todas as estratégias e estratagemas da luitas revolucionárias clássicas. Como indica Rosa Enríquez na sua leitura de Antígona, temos aqui uma Antígona que se nega a falar na língua do Estado contra o Estado, isto é, que se afasta da retórica do poder. A protagonista do conto, militanta comunista presa (sim, militanta comunista presa, porque também as mulheres foram/são presas políticas), cumpre com as ordens do partido e inicia uma greve de fame. Na narrativa atendemos a um diálogo consigo própria, enfiando recordos da infância com as suas aprendizagens políticas até ela chegar à surprendente decisão final. Um decisão que tira polo chão os presupostos patriarcais da luita revolucionária, a exigir-lhe a auto-destrução, sempre pola causa. A mulher que guia a mudança não é outra que a mãe dos recordos familiares a fedelhar na cozinha da casa. O espaço privado reinterpretando Marx e Fanon: mudar o furor da morte polo ardor da vida. Eis a lição: luitemos por viver, apesar de todo!
O que me surprende é a crítica não ter posto os olhos no quadro que ilumina a autora. María Xosé Queizán propõe uma leitura em paralelo que as recensões obviam ou ocultam. Ela não coloca um continho sobre a fuga de uma prisão e a seguir um continho sobre a tentativa de divórcio duma mulher. Entremeia as duas estórias na mesma narrativa para que fagamos uma leitura em contra-ponto. Definir o livro como “un duro manifesto en forma de dez contos contra a opresión nos cárceres”[1] é eliminar boa parte da sua essência. As recensões que encontramos marcam o interesse no mundo carcerário e no trabalho de recuperação da memória histórica. E sim. Já dissemos que no livro está todo isso. Porém o que o faz diferente e interessante é que acrecenta algo mais, a identificação das estratégias repressivas políticas com as estratégias da violência de gênero. Só que se lemos acreditando o feminismo como uma obsessão, pois igual perdemos parte dessa riqueza: non é necesario comungar coa coñecida posición ideolóxica da autora, especialmente coas súas teses feministas, para gorentar estes dez relatos saídos da súa man, nos que, baixo o manto da denuncia e cun balume de forza liberadora, nos achega á condición dos seres máis débiles e indefensos, sometidos a esas formas sutís de dominación que son os cárceres [2].

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[1] MARTA R. VALEIRO, O Correo Galego, 3 de xuño de 2002. http://www.vox.es/catalogos/cuadernos_criticas/XG00046901_1.pdf
[2] FRANCISCO MARTÍNEZ BOUZAS, Guía dos Libros Novos, xuño de 2002. http://www.vox.es/catalogos/cuadernos_criticas/XG00046901_1.pdf



María Xosé Queizán: Sentinela, alerta!, 2015, Xerais.




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