A casa das moças narcotizadas

Foto: Paula Gómez del Valle

Por Susana Sánchez Arís

Lemos A casa das belas adormentadas para o clube de leitura. Conhecia o título por fazê-lo parte da coleção de Rinoceronte Editora, mas nunca cheguei a pegar nele. Tocava ler e lim. Recorreram os meus olhos as primeiras páginas e fiquei chocada. E voltei à contracapa e à presentação editorial:

Tras as cortinas do veludo carmesí agardábao unha moza adormentada, completamente sumida nun profundo sono. “Non intente espertala. Por moito que faga, ela non espertará. Está profundamente enfrascada no sono, non se dá conta de nada... Nin sequera de quen a acompañou. Non debe vostede preocuparse.”Eguchi comeza a acudir á casa das belas adormentadas, onde a través das mozas evocará os recordos das súas mulleres e, ao mesmo tempo, toma conciencia da soidade e da fealdade da vellez. O tempo neste lugar transcorre noutra dimensión, na que para Eguchi cada detalle recobra un sentido e unha emoción [1].

E relim as primeiras páginas e o choque virou enfado, e seguim a ler e virou raiva, e seguim a ler e virou ira, e seguim a ler e sentim em mim todo o estímulo sentimental contra aquilo que me ofendia, todo o desejo de vingança, a cólera, o furor -uterino todo ele, mesmo cerebral-.

Duas curiosidades me nasceram, acompanhando este espírito: se as minhas companheiras de clube sentiam o mesmo e, como a mim, lhes era indiferente todo o que interessava, na teoria, nesta obra; e se, nas recensões críticas da novela, havia alguma que reflexionasse o que eu.

Falamos na sessão marcada para debulhar Kawabata e descobrimos sentimentos não iguais, mas equiparáveis: nojo, indiferência, violentação. Bom, não fora eu a única chocada. Nem a única irada. Casualidade que foramos todas mulheres? Segunda reação, alívio.

E procurei na rede e fiquei chocada e rebusquei na rede e o choque virou enfado, e seguim a busca e virou raiva, e seguim a buscar e virou ira, e seguim e sentim em mim todo o estímulo sentimental contra aquilo que me ofendia, todo o desejo de vingança, a cólera, o furor -uterino todo ele, mesmo cerebral-.  

Evocação da mocidade, agressão sexual, arremedo de companhia, agressão sexual, gozar da contemplação da beleza, agressão sexual, a tentação duma última aventura, agressão sexual, deixar-se levar pola nostalgia, agressão sexual, dormir abraçado a um corpo suave, cálido e novo, agressão sexual, superar a timidez e a tristura que causa ensinar o corpo avelhentado, agressão sexual, o fervor mesmo religioso, agressão sexual, a absolvição de um passado turvo, agressão sexual.

É possível que só nosoutras vejamos uma agressão sexual no fato de dormir (sem permissão) com uma mulher inconsciente ? Ninguém mais leu uma agressão sexual no ato de mirá-la sem permissão, de admirá-la sem permissão, de acarinhá-la sem permissão, de uli-la sem permissão, de mexê-la sem permissão? Nenhuma das recensões, comentários, recomendações, que li sobre o livro reflexiona sobre isto, ou chama a atenção sobre isto, ou simplesmente explicita isto no seu discurso.

Todas oferecem uma “asepsia descritiva” [2] que a mim me provoca arcadas, vontade de ghomitar todo o cânone literário que levo anos suportando sem mastigar nem reagir.

Não vou discutir o direito de um homem a meditar e recriar-se nas suas experiências como cliente prostibular e agressor de moças. Não vou discutir. Mas entanto leitora tenho direito a sabê-lo antes de abrir as páginas do seu livro. Porque eu também tenho direito a não ter o mais mínimo interesse em conhecer esses seus devaneios fantasiosos. E tenho direito a saber, lendo na capa, na presentação editorial, nas recensões críticas, que não está o narrador a falar da mocidade perdida, do tempus fugit ou do inexorável caminho cara a morte. Ou sim, mas que por cima dessas quiméricas lucubrações está a justificar, naturalizando-o, o seu direito a abusar das mulheres, a utilizá-las como objetos sexuais. Canta claro, Kawabata, cantai claro, editoras e críticas que no mundo sodes:

Un home chamado Eguchi, vello aínda que non decrépito, acode a unha casa moi particular de putas onde homes anciáns com poder pasan a noite en compañía de fermosas mozas abusando de mulheres narcotizadas, de forma que non esperten en toda a noite, e não podan reaccionar à agressão.

Porém, sei que podo escrever n'A Sega e o choque que vira enfado que vira raiva que vira ira que vira estímulo sentimental contra aquilo que me ofende que vira desejo de vingança que vira cólera que vira furor -uterino todo ele, mesmo cerebral- acaba por fazer-se palavra, texto, berro feito écram.

Por isso iniciativas como A Sega são tão necessárias... para manter a paz mundial.


Yasunari Kawabata: A casa das belas adormentadas. Rinoceronte Editora, 2007.

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[1] http://www.culturagalega.org/lg3/novidade.php?Cod_prdccn=1237. Última consulta: 7 de junho de 2016.

[2] Por exemplo: O argumento da casa das belas adormentadas (1961) resúmese en poucas frases: un home chamado Eguchi, vello aínda que non decrépito, acode a unha casa moi particular onde homes anciáns pasan a noite en compañía de fermosas mozas, narcotizadas de forma que non esperten en toda a noite. Em http://biblioteca-mendino.blogspot.com.es/p/kawabata-yasunari-casa-das-belas.html. Última consulta: 7 de junho de 2016.


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