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Por Susana Sánchez Aríns
A situação de partida é a mesma: homem diz a mulher marcho, deixo-te
por outra, acabou. E no entanto os contos são tão diferentes que nem sei
porque partilham este espaço, se o único em comum é esse marcho, deixo-te
por outra, acabou.
As duas são mulheres que não viram vir o lobo, que de súbito chocaram
com a realidade como com muro de pedra duro e transparente. As duas ficam
desconcertadas e sem saber mui bem como gestionar o golpe. A partir de aí, nada
mais em comum. Não porque não haja nada partilhável entre elas, mas pola forma
em que nos são contadas as suas estórias.
A protagonista de La mujer es una isla decide colher umas férias
que tem pendentes para assim reflexionar sobre o rumo que há levar a sua vida.
Um imprevisto de última hora faz que tenha que levar com ela o filho de uma
amiga.
Carla, a protagonista de Amor é unha palabra como outra calquera,
não foge, mas agacha-se. Fica na mesma casa na que viveu um matrimónio de
quinze anos. No seu caso, a mudança vai acontecer sem se deslocar do seu espaço
vital, do seu bairro.
Que vai marcar a diferença entre uma e outra? A distância geográfica,
uma em Islândia, outra em Vigo? O subgênero narrativo, pseudopolicial para uma,
para a outra road-movie? A duração da
trama, messes, uma, dias, outra?
Não. A diferença vai-na marcar a literatura. As escolhas erróneas ou
acertadas das autoras. A entidade narrativa.
A história de La mujer es una isla é-nos narrada pola
protagonista num tempo presente que no início choca mas que reforça o carácter
de (auto)descoberta do percurso geográfico da mulher. Ao recorrer a ilha de
Islândia sozinha, de carro, e acompanhada por uma criança surda, vai colocando
as marcas de um novo mapa íntimo, no seu corpo, na sua cabeça. É essa
(re)construção a que nós acompanhamos.
Com Carla não gozamos dessa oportunidade. De por meio intromete-se na
sua vida, e portanto, nas nossas, um narrador omnisciente de mais, ressabido,
que não deixa resquício de dúvida ou questionamento.
Da mulher da ilha islandesa não sabemos o nome, mas esquecemos essa
incógnita no avanço dos capítulos quanto mais a conhecemos a ela e as suas bem
humoradas reflexões: “No entiendo para nada a mi exmarido. Ya se ha mudado
llevándose la casa entera, cuando vuelve de nuevo en busca de algo. Siempre se
deja algo olvidado, éste es el tercer cepillo de dientes que viene a buscar,
coge el mío tan pronto como lo he sacado del paquete y lo uso quizá una sola
vez. No hago más que comprar uno para
que luego venga a cogerlo junto con un libro sobre el apareamiento de los
insectos y cualquier otra chorrada. Tampoco entiendo que tenga que darse una
ducha cada vez que viene...” (89).
Carla transmite a sensação de só deixar-nos um nome. Não tem pensamentos
próprios. Todos eles, bem simplórios ademais, chegam a nós peneirados polo
narrador metediço: “O teu, non obstante, era moito máis fodido: facelo
feliz, que el me faga feliz, sermos felices os dous xuntos polo feito de o
estar. Iso é unha putada, Carla, a nada que o penses é unha putada. Pensar así
é unha putada. Actuar así é unha putada. Debiches entender que só podías ser
feliz por ti mesma, non a través do teu marido. Así nos aprenden a ser a todas
e a todos, e por isso rematamos sendo, em especial tócavos ás mulleres, peor
tratadas pola educación convencional occidental tradicional familiar machista,
etcétera, simples e complicadas amantes do amor”(122).
Em realidade, estamos perante um claro caso de narrador mansplainer[1],
categoria que se não está inventada, para algo estamos nós. Explicitando-se de
gênero masculino, bota toda a narrativa dando lições às leitoras,
explicitamente femininas também, daquilo que é sermos vítimas do amor
romântico, a má educação e o machismo. Desta maneira acabamos por ler uma
protagonista parva que um senhor tem que salvar da queda no abismo sentimental.
Mansplaining total!
Outro elemento no que diferem
totalmente as duas histórias, apesar do inicial marcho, deixo-te por outra,
acabou, é na construção do gênero das personagens, tão pessoal uma, tão
heterohegemônicofalocêntrica outra. A amiga de Auđur não sabe nada de crianças
e o menino que acolhe é diferente de todas: “- A algunos les encanta ponerse
perdidos y a otros les da por pelearse. Si he de ser franca, estamos
preocupados por lo poco que [Tumi] se relaciona con el resto de los niños, más
que nada prefiere estar solo o si no, está con las chicas en el rincón de las
muñecas. Estamos trabajando pra fortalecer su ego, pero se niega en redondo a
pegarse; le falta el cazador, el conquistador, siempre se pone detrás en el
grupo, evita los enfrentamientos. Si fuese un león marino, sería el primero de
los machos en morir y nunca conseguiría reproducirse (106)”. A protagonista
assume que Tumi não é um leão marinho e, desatendendo os conselhos da mestra,
estabelece com ele uma relação absolutamente respeitosa e desmaternal. Na
viagem fam o que lhes peta, entram e saem homens das suas vidas, acometem
atividades que abandonam quando lhes quadra e partilham cama e ursinho de
pelúcia polas noites. São duas pessoas
raras que transformam a sua raridade em estilo de vida. Em vida.
Se hoje tenho que falar da mulher da ilha e de Tumi, diria que ela não
teme conduzir entre desprendimentos e glaciares porque é quem de calcular
aritméticas absurdas que a tranquilizam e que ele gosta de calcetar em amarelo
e verde.
E Carla... Carla e a companha de personagens que leva com ela não
conseguem fugir do tópico. Nada há nelas que as mantenha no nosso recordo, um
pormenor, uma frase, uma atitude. Carla, menina rica sem inquietude alguma. A
assistenta poligoneira, que, porfavorinho, como pode ter relações com um
fotógafo!, a amigha despendolada, o ex que foge com uma mais nova, o homem
perfeito que aparece da nada... Tudo tão igual a tudo... E o pior: a construção
da trama conforme ao tópico da malcasada que necessita “que a desvirguen por
segunda vez” (121), essa ideia única do sexo como sexo roubado (162), essa
roupa arrancada sem pedir permisso, porque quando uma mulher diz não quer dizer
sim, já se sabe, essas personagens femininas sem nome perante os nomeados
homens, e essas conclusões capitulares que nada têm que ver com o narrado
previamente.
Corolário:
1.
Nunca leias um livro medíocre após ler um bom.
Afundirá-lo na miséria.
2.
Igual paga a pena viver numa ilha, ser uma ilha.
3.
Não tiram mais duas tetas que duas carretas.
4.
Feminismo não é uma palavra como outra qualquer.
Auđur Ava Ólafsdóttir: La Mujer es una isla.
Tradução de Elías Portela. Santillana 2013.
Francisco Castro: Amor é unha palabra como outra
calquera. Galaxia 2016
O feminismo é uma ilha
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16:04:00
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