![]() |
Dilma Rousseff, aos 22 anos, na foto da ficha policial |
Por Maria Fernanda Garbero
Niterói,
22 de abril de 2016
Querida Dilma,
há dias estou para te escrever esta carta. No entanto, o tempo passa
e me atropela (não é à toa que a palavra tempo é masculina, né?!). Tenho
acompanhado com tristeza tudo – ou quase tudo que consigo ter acesso – que vem
te acontecendo e, amiga guerreira, ainda me impressiono dia após dia com a tua
fibra, com a tua força, com a resistência de quem venceu dias de tortura e anos
de injustiça sem se deixar quebrar. Será que você imagina o quanto é importante
para nós, mulheres, querida? Imagino que suspeite, mas vou te contar o que você
representa para mim. Sei que anda ocupadíssima e talvez nem tenha tempo de ler
minha carta agora, mas preciso escrever nossa história que, se não chegar até
você, ao menos dará forma ao que sinto e desejo às minhas companheiras, às
minhas alunas da Baixada Fluminense, à minha irmã, bem mais nova do que eu, à
minha enteada de 9 anos, às netas que um dia posso ter, às inúmeras Marias,
anônimas, apagadas, silenciadas e violentadas que sonham com um país menos
hostil às mulheres.
Dilma, lembra do
que você fez naquela tarde de sábado do primeiro dia do ano de 2011? Pois é,
você feriu o ouvido dos gramáticos, o olho dos machistas e a honra do
patriarcado, subindo aquela rampa e se proclamando como a primeira Presidenta
do Brasil. Tudo começou ali, né, amiga? Naquele dia, eu estava no interior da
Argentina, então governada pela Cristina Kirchner, e me lembro do sabor
diferente que havia nas minhas lágrimas ao te ver receber a faixa presidencial
das mãos do Lula. Fazia um calor infernal na província de Córdoba, e eu dividia
os dias daquelas férias entre o planejamento silencioso de minha separação, os
cuidados integrais de um bebê com menos de 1 ano e as muitas angústias sobre a
incerteza de estar fazendo a coisa certa. De toda essa divisão, só uma coisa
não se interrompia: meu choro de desespero, de medo do que me esperava no
retorno ao Brasil, à casa em Niterói, da qual eu iria embora 13 dias (olha a
ironia do número) depois de sua posse, marcando um ponto final numa relação de 5 anos e 10 meses, tempo
similar ao que pode durar seu mandato se o golpe (outra palavra masculina,
curiosamente) for mais potente que sua honestidade (feminina, aliás).
Assim como você,
nasci em Minas, e foi para lá que fugi e comecei minha nova história. Eu podia.
Era uma mulher de 29 anos que, mesmo abalada pelo egresso de um lar asfixiante
e pelo exílio numa cidade ultraconservadora como a que nasci, tinha como maior
figura de meu país uma mulher. Tinha você. E eu pude, assim como pôde minha
mãe, também separada naquele momento, e puderam as diversas amigas e conhecidas
que encontraram coragem para fazer sua própria rampa do planalto e governar sua
vida. Hoje, somos muitas e estamos ao seu lado, não duvide disso, companheira.
Mas nosso poder
não é como o teu. Você é dura, firme,
inquebrantável, e por isso não te perdoam, crime que só se equivale ao
da fronteira que você ultrapassou sem visto. Desde aquele sábado, os caras da
imigração estão no teu pé, querem a todo custo e mentira te deportar para o
lar, te expatriar da vida pública, te desmoralizar, te apartar com a pecha da
loucura, te diminuir pelas hipóteses de tua sexualidade (trunfo que deflagra o
conservadorismo e o preconceito de teus oponentes). Até quem está do teu lado,
possivelmente sem querer, caiu nas armadilhas desse controle. Lembra quando te
chamaram de “Dilmãe”, tentando te transformar numa figura hifenada pelo tabu e
pela sacralização do amor sem mesura? Pois é, olha que perversos fomos?! Eu não
te quero como mãe, aliás, desde que a minha morreu, eu faço questão de matar
simbolicamente as que ficaram. Eu te quero companheira, guerreira,
guerrilheira, de arma em punho contra o machismo que me proíbe de decidir sobre
meu próprio corpo, aquele mesmo machismo que também te fez calar sobre o
aborto, pauta cara para todas nós.
Escrevo e vejo
que as lágrimas voltam. É triste viver num país que te odeia por ser mulher. É
aterrorizante pensar que uma revista escolha, como parâmetro de comportamento
feminino, uma moça 42 anos mais jovem que seu esposo, aquele traidor que é teu
vice, a quem entreguei meu voto a contragosto ao votar duas vezes em você. Falo
da Marcela, Dilma, vocês se conhecem? Imagino que pouco ou quase nada, afinal,
você deve ser uma péssima influência para a esposa dele, sendo algo do gênero
“Temer teme a Dilma”, assim como são
todas as mulheres que se insurgiram contra aquela palhaçada hedionda da dita
revista que dizia “Bela, recata e do lar”, numa matéria claramente golpista, já
apresentando ao povo brasileiro, idiotizado pela mídia (que você não teve força
para enfrentar e democratizar), o projeto de futura primeira-dama.
O que está
acontecendo com a gente, Dilma? Querem te tirar da presidência porque não
suportam ver uma mulher no comando de um país. Tá na cara. A gente só pode
estar ao lado, a dama do homem público, a moça estudada que prefere o lar e o
cuidado com o filho. Eu não critico quem escolhe isso (será que é mesmo
escolha?), porém, quero poder escolher um dia estar no seu lugar (sem golpe,
claro!). Por isso eu não te quero mãe, eu te quero pública! E nem quero o Lula
ao seu lado. Por mais que eu o admire, não quero que um homem seja teu braço direito;
o que mais precisamos é que teus dois braços deem uma banana para essa
misoginia que tanto nos deslegitima. Quero que teu braço esquerdo nos abrace,
assim como queremos e precisamos que no teu abraço caibam as mulheres
indígenas, há 516 anos diariamente violentadas, o corpo das Claudias arrastadas
pelo Estado e o corpo castigado das mulheres sem terra que não desistiram de
você.
Minha amiga, acho
que ainda vale dizer que tive alguns momentos de tristeza com você, porém não
vou falar deles aqui. Deixo para um dia que estejamos frente a frente, sem
riscos de grampos ou interceptação de cartas. Tenho absoluta certeza de que
sabe do que estou falando e se lembra de cada um, possivelmente, com amargura,
pela impotência e pelos teus braços amarrados como naqueles dias de tortura. Eu
preciso acreditar nisso, por favor. O que agora te escrevo não será de
ressentimento, contudo, para escrever com a esperança, eu chamo aquela Dilma
que se entregou à luta armada porque sabia que era possível fazer um país diferente.
Eu preciso crer que foi assim, para te dizer muito obrigada, como também
preciso sonhar que algo possa mudar, daqui pra frente, e te pedir, por todas as
mulheres: fica, querida! E fique ao nosso lado, porque “sozinha eu ando bem,
mas contigo ando melhor”.
Com carinho e
partilha, Nanda.
----------
Maria Fernanda
Garbero. Sou uma mineira
nascida no Brasil ainda ditatorial de 1981. Criada num matriarcado
desobediente, aprendi logo cedo que transgredir era o único caminho possível
num país hostil às mulheres. Aos 18 anos, saí de casa, comecei meu curso de
Letras e conheci minha amante fiel: a literatura, da qual não desgrudo e com a
qual me protejo do que chamam, sarcasticamente, de vida real. Há 6 anos, sou
mãe e professora de uma universidade federal na Baixada Fluminense, atividades
e escolhas que, na mesma medida, me colocam na trincheira contra o patriarcado.
Acredito na palavra e tenho fé na poesia. Atualmente, preparo meu livro sobre
os 40 anos do movimento argentino Madres de Plaza de Mayo e estudo grego para
retraduzir aqueles moços misóginos.
Emocionante! Nós podemos mais. Obrigada, Fernanda.
ResponderEliminarBueno, por lo que son grandes cuando la comunicación entre los individuos e incluso muchos están interesados a la salida y que es elegir ellos mismos.
ResponderEliminar