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Imaxe: A Sega |
Por Susana Sánchez Aríns
Esta recensão é toda ela um
spoiler continuado, assim que se queredes ler o romance, o
ponto que segue é o do abandono.
Há leituras que uma faz mais
por curiosidade que por prazer. A memoria da choiva é uma
delas. A sinopse não me chamava muito, e mesmo nos últimos tempos
não é o gênero romancístico o que mais tira de mim. Porém
aparecia Rosalia reloaded, segundo lim em críticas e
entrevistas, todas louvadoras. Rosalia de Castro, entenda-se. E
entrou-me o becho no corpo. Qual será a revisão que o autor faz da
poeta? Dará-lhe uma reviravolta à já tradicional imagem
santigadora? Buscaria superar tópicos e prejuízos? Essas eram as
perguntas que me picavam na pele. E lim.
Isto é importante, eu adoro o
policial, o gênero negro. O modelo argumental do quem,
como e por qué? é
dos meus preferidos como leitora ou espetadora. E a deceção chegou
nas primeiras páginas. Ou, não! Another
maldito no maínço! Resultou-me tedioso, sobretodo tedioso, dar com
um protagonista
fracassado-mete-patas-borrachuças-abandonado-pola-mulher-que-finalmente-resolve-o-crime.
Ains, outro? Até é fumador... que topicamente politically
incorrect!
Pede-lhe ajuda um polícia amigo, porque valora a sua esperteza
especial, que ninguém valora, e menos o animal que tenhem por
comissário. Sim, outro chefe rude, insensível e precipitado nas
conclusões. Tédio. Ah, e não perdades a dama que lhe apõem ao
galão: se ele é um falhado jornalista, ela é uma inteletual
ressabida... que ele, anti-herói fatal, salva no último minuto.
Nããããããooooo!
O romance conta as pesquisas de
Aquiles Vega por resolver uma série de assassinatos ferozíssimos na
cidade de Santiago de Compostela. Uma resolução falhida, do meu
ponto de vista, porque não é bom que as leitoras achemos a solução
das adivinhas antes que o protagonista. O autor deve ter a mestria de
semear pistas falsas que nos confundam. E aqui não é o caso. O
primeiro morto aparece, mira ti, com um cravo cravado no coração, e
o pobre de Aquiles Vega, que não deveu fazer a ESO, mas o antigo
BUP, bota uma cheia de páginas pensando quê lhe recorda esse cravo
cravado no coração. Tumbada no sofá, a ler, tinha vontade de
berrar-lhe: Rosalia,
burrancão, Rosalia!! Ainda
que é bem certo que igual o problema é meu, que sou uma ressabida
inteletual.
Nos comentários das
personagens, nas vozes que o autor coloca nas suas bocas, assoma de
contino a machistada e o preconceito. Sim, já sabemos. São as
personagens assim, machistinhas elas, não o autor, mas como sempre,
sem uma outra voz irónica ou uns factos que desmentam as palavras
enunciadas, permitindo-nos ler entrelinhas, não podemos outra cousa
que associar discurso e ideologia. A segunda assassinada, suposta
suicida à primeira vista, “non é mais ca outra muller a agardar
pola primavera”. E não se fale mais. Que levante a mão a mulher
que recém chegada à casa após uma molhadura universal mude de
roupa e ponha “uns trapos con máis anos enriba dos que podía
recordar e moi pouca puntuación no campionato mundial do sex-appeal,
pero mira, aquí tampouco había ninguén para se fixar niso...”
Buuuf! Como pode ser tão superficial o monológo interior duma
personagem (feminina, claro)? E que dizer da construção da
personagem de Dorian, homossexual teatralmente amanerado e
provocador, que lança olhadas de “víbora que só as mellores e
máis experimentadas reinonas
saben botar”? Ele não pode ser o assassino porque em troca de
sangue, circula nas suas veias a bandeira gai. Literal. Que
heteronormativo todo. Mui, mui, mui tedioso. Muito.
Com estas vímbias cada vez
aguardava menos daquela revisão rosaliana que activou a curiosidade
leitora. E já bom foi, porque de revisão, nada.
Um dos elementos configuradores
do mito rosaliano foi a [de]construção da sua [não]biografia.
Ocultar dados considerados no seu momento imorais ou centrar neles a
edificação duma figura triste e choromiqueira: Rosalía, minha
pobre, tinha um trauma ghordíssimo porque era filha de solteira. Por
exemplo. Superar este biografismo para se centrar no estudo dos
textos e na análise do seu contexto histórico, social e político,
sobretodo social e político, foi um dos grandes trabalhos dos
estudos literários, onde, claro é, tiveram especial importância as
achegas feministas. Faz alusões a trama a esta situação, na que
“Rosalía é unha especie de totem, algo case intocable. «Rosalía
é nosa», berraban hai anos pola rúa. Como Castelao, como a nosa
Terra, como o propio idioma... Como tantas e tantas cousas que á fin
acaba por non se saber demasiado ben a quen lle pertencen
realmente...”. A tese deste romance, como bem afirma Aquiles é
clara: de quem vai ser Rosalia? pois da gente. Do comum. Nunca dos
inteletuais.
E resulta que toda a trama
deste romance vem a questionar a biografia rosaliana para
acrescentar, não uma leitura alternativa, não uma visão mais
popular, não uma outra possível interpretação, mas, ouh
posmodernismo!, uma nova biografia, uma nova velha moralina em
argumento de telenovela. Um autêntico “fora
as vossas sujas mãos de Rosalia... que me toca a mim”.
Gala, a última filha foi mãe solteira que abandonou a filha,
forçada por papá Murguia, para não sujar a santidade de mamá
tropeçando na mesma pedra das silveiras, e a filha da filha teve
outra filha dum marinheiro chegado de além-mar, também de arrimo. E
esta filha, crescida na raiva e no ódio, um filho. E eu já me
perdim. Enfim, o assassino é o tataraneto de Rosalía, que só quer
ver límpida a figura da sua mamá (Rosalia, sim: o mau também é o
tipical psycokiller
com complexo edípico-freudiano). Ei, que andam a sujar a imagem da
santinha!
Era necessária esta genealogia
para justificar uns assassinatos? E não avundava com colocar uma fã
desnortada? Para que executar um pseudo-psicanalista porque chama a
Rosalia de Castro suicida? A boa hora! Uma das cousas que me parecem
mais incríveis é que a vingança se desate no violentos anos dez:
acorda-lhe com 100 anos de atrasso! Quiçãs era mais interessante
colocá-la nalguma etapa anterior da nossa filologia, quando sim
estava vigente toda essa moralina. Mesmo se matasse feministas era
mais verosímil...
Enfim, desconheço onde a
novidade deste romance.
E aí vem-me a vontade de
reflexionar: percebemos certa obsessão por encher baleiros na
literatura galega. Há quem concebe o nosso sistema literário como
defetivo, um espaço no que faltam
elementos. E devemos creá-los para normalizar a situação: ai que
não temos best-sellers, ai, que falta um bom folhetim; ai, que ainda
ninguém fez uma trilogia de ciência ficção com máquina do tempo
de por meio. E nasce a necessidade.
Está visto que o autor quis
fazer um romance de gênero. E a minha pergunta é justo essa: temos
necessidade? De verdade precisamos um policial com amargoso detetive
e sexista? È-nos imprescindível contar com um outro psicópata de
aparente e dupla vida normal
e apoucada? Vai ser mais importante, mais universal a literatura
galega? Não estamos, pola nossa condição de literatura não
hegemónica, na melhor das situações para subverter e questionar a
construção dos gêneros, em todos os sentidos da palavra?
Assim que aproprio-me da
consigna e berro, bem alto: fora as vossas sexistas mãos de Rosalia!
Pedro Feijoo: A
memoria da choiva.
Edições Xerais. Vigo 2013
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