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Foto: Susana Sánchez Aríns |
Por Susana Sánchez Aríns
É
legítimo fazer crítica duma obra da que fazes parte? E não só tu,
mas também outras três das tuas colegas d'A Sega? Esta é a
primeira questão que me assalta perante o volume Letras nómades.
Acabada
a leitura, intensa e agradecida, pola minha cabeça corricava a mesma
ideia: tenho que recomendá-lo n'A
Sega, que paga muito
a pena. Porém o livro inclui um texto meu, um outro de Marga do Val,
dous de María Reimóndez, um outro de Verónica Martínez, todas as
quatro segadoras, todas as quatro, portanto, incapacitadas para
julgar a pertinência ou não da obra.
Em
verdade? Ter colaborado com um texto de criação (dous)
incapacita-nos para fazer(-lhe) crítica literária? Não é uma
questão fútil. O conceito de crítica assética, objetiva e externa
paira sobre as nossas cabeças, as mesmas nas que corrica a
necessidade de falar (e bem) de Letras
nómades. Aprendemos
que a crítica deve manter uma distância sobre o produto a
recensionar, uma distância que garanta a imparcialidade. Mesmo
considera-se necessário o desconhecimento das autoras e a ausência
de contato pessoal como aval de independência.
É
por isto que eu não devera escrever sobre Letras
Nómades, e
menos quando quero fazer uma recensão positiva.
Por
enquanto, escrevo1.
Letras
nómades reflexiona
sobre a mobilidade feminina na literatura galega. É uma obra de
carácter académico mais, como esta recensão, furta-se à ideia que
podemos ter de trabalho teórico para construir-se como uma outra
cousa, sem nome definido e, isso sim, um degrau mais acima.
As
autoras pretenderom não só analisar um tema literário específico
mas motivar a reflexão e a escrita nas próprias escritoras
escolhidas, de modo que, no mesmo acto de estudar a literatura,
promoverom a produção de textos. Abandonam assim o âmbito do
estudo filológico de
gabinete para
estimular a actividade criativa com a sua iniciativa. O estudo de
textos explicitamente solicitados às criadoras, nos artigos de
Carmen Mejía, Manuela Palacios e María Xesús Nogueira rompem com o
pré-conceito do texto canônico e públic(ad)o como objecto de
estudo.
Porém
não é esta, para mim, a aportação mais importante do volume, mas
o especial interesse na documentação de vidas pequenas, de memórias
privadas, de deslocamentos do quotidiano. Convencidas de que as
mulheres ficaram ocultas nas narrativas de viagem por não ter sido a
sua mobilidade épica ou heroica, ou por ter vedado o acesso aos
meios de expressão, buscam maneiras alternativas de aceder às suas
histórias de vida (não é outra cousa a memória que uma
ficcionalização narrativa), desde o recordo familiar, até as
testemunhas, passando polos documentos pessoais: a emigranta, a
fugida, a nodriça, a guerrilheira, a mãe do fuzilado, todas
encontram assim o seu lugar no livro, na nossa memória. O depoimento
oral tem especial importância em todos os artigos do volume, assim
como o contato emocional com as protagonistas e autoras (obteriam
sem ele as mesmas informações para os seus artigos Aurora Marco ou
Olivia Rodríguez?). Mmmm, outra vez a assepsia em questão...
A
combinação de testes, documentos pessoais, sejam escritos sejam
visuais (ai, as fotografias!) e atuais recriações dão pé às
estudosas para analisar os cruzamentos e ligações entre
experiencias objetivas e interpretações subjetivas, fazendo da
leitura dos, em apariência independentes, artigos, um crescendo de
sugestões e estímulos para todas as pessoas interessadas no tema da
viagem, da memória, da narrativa, da vida.
Só
podemos lamentar a dificuldade de acesso ao volume, aguardando por
uma edição eletrónica, ou uma galega, ou uma galega eletrónica.
E
sim, acredito que é possível fazer crítica literária estando no
alho.
Letras
nómades. Experiencias da mobilidade feminina na literatura galega.
Ana
Acuña (editora). Frank & Time, 2014.
1 O
próprio volume oferece-nos o álibi para escrever: dá conta da
superação do conceito de subjetividade como fraqueza para adquirir
um estatuto sólido e valorizado nas ciências sociais (pág 118).
Estar no alho ou não estar, that's the question!
Reviewed by segadoras
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14:40:00
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