O diário que é um passaro que é um coelho que é um gato que é uma pessoa

Imaxe: Susana Sánchez Aríns

Por Susana Sánchez Aríns

A adolescência é uma idade absurda, o que não quer dizer que seja contrária à razão. As adolescentes não são meninas e também não são adultas, o que as abandona num limbo onde a vida é estranha e não propriamente singular ou extraordinária.

Sobre este mundo adolescente deita a sua olhada infantil, o que não quer dizer ingênua ou pueril, a escritora Ana Pessoa.

O caderno vermelho da rapariga karateca não é um diário, já que os diários são a cousa mais seca do mundo. E a rapariga karateca não está disposta a deixar de fazer cousas das que gosta, como o karaté ou o shopping com as amigas, para gastar o dia todo a registar observações e experiências pessoais. Se fizer isso, deixaria de ter experiências pessoais que observar. Mas o caso é que sim é um diário, sem chaves nem candeados mas com sinais que permitem aceder a uma intimidade absurda, o que não quer dizer disparatada. Porque a rapariga karateca gosta de escrever, ainda que as escritoras sejam uma seca.

A autora combina magistralmente humor e literatura para introduzir-nos na vida de N., uma rapariga que se nega a ser menina porque quer ser só karateca, ainda que porvezes escolha ser freira ou escritora ou cientista. N. gosta de Raul, como acontece em todos os diários e todas as adolescências (só que isto não é um diário e N. não sabe se quer ser romântica). A rapariga karateca anda à procura da sua identidade, o que não quer dizer que não seja aquela que diz ser. Achegamo-nos assim a um mundo adolescente fantasioso, mas não irreal, contraditório, o que não quer dizer incoerente, e confuso, ainda que não obscuro ou envergonhado. A narração resulta despretensiosa e trabalhada com técnica de ourives, ou melhor, de Gianni Rodari, cuja literal excentricidade assoma por trás de vários trechos.

O caderno vermelho da rapariga karateca, Liso, 13x21 cm, 240 pp., 14 euros, é um coquetel de textos explosivos, o que não quer dizer que seja molotov. No volume, como na adolescência, colhe todo: os contos com ensinança moral, as definições de dicionário, as conversas de escola, as observações com método científico, as sms's e as reflexões pessoais e íntimas (também, embora não seja um diário). Ademais, o próprio caderno vermelho, Liso, 13x21 cm, 240 pp., 14 euros acaba por tomar vida própria (ou não? ou é a rapariga karateca que tem muita imaginação?), e vira animal de estimação. Se algo caracteriza o livro, como a adolescência, é a sua viçosa juventude.

Primorosamente editado por Planeta Tangerina, com umas ilustrações, de Bernardo Carvalho, que se integram na narrativa até fazer parte dela, é um volume que devemos ler todas as raparigas que não queremos ser meninas e preferimos ser karatecas a ser escritoras. Ou ao invês, já não lembro bem.

Ana Pessoa: O caderno vermelho da rapariga karateca
Ilustrações de Bernardo Carvalho.

Editora Planeta Tangerina. Carcavelos 2012

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