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Imaxe da película 'Maléfica' |
Por Susana Sánchez Aríns
Quando
li atentamente o Catálogo
de velenos, de
Marilar Aleixandre, descobri nele uma voz que se re(b)vela herdeira
de uma estirpe de filhas envelenadas por mãos mutiladas, mãos de
mães decepadas. Descobri a voz duma filha a perceber, tarde de mais,
que olhou de maneira despiedada e injusta a mãe que a criou para a
obediência, uma filha a perceber que uma mãe que lhe quis evitar a
mutilação não podia ser tratada de bruxa, vilã ou madrasta. Não
só.
Quando
li o Catálogo de velenos, de Marilar Aleixandre, lamentei não
ser ele um livro popular, um livro presente nas estantes de todas as
casas, um livro manuseado nas mesas-de-noite de tantas adolescentes
alcovas, um livro que reconciliasse a mães e filhas e lhes evitasse
esse fatal encontro nas gélidas e árticas planícies, tarde de mais
para reconhecerem-se como aliadas no espelho mágico da raínha.
Estas
últimas reflexões reviveram não há muito na minha cabeça,
acompanhadas de um traste sorriso, entanto visionava o filme
Maléfica,
de Robert Stromberg.
Não,
não é um livro, não. Não, não é poesia, não. Não, não é
galego, não. Mas na sala havia crianças que quiçás não saibam
dos versos de Aleixandre, havia mães que quiçás não tenham poesia
nas suas estantes e havia adolescentes que quiçás nunca
leiam até um segundo antes de lhes desligar a luz. E todas elas,
crianças, mulheres, moças, assistiram na escuridade ao encontro
entre mães mutiladas e filhas decepadas, à aliança entre a vilã
heroína e a esperta princesa, ao seu mútuo reconhecimento,
espelhadas uma na outra, como vítimas propiciatórias da cobiça
patriarcal. E sobre todo, crianças, mulheres e moças aprenderom na
escuridade que por trás das altas vozes da tradição, igual paga a
pena escuitar as vozes das gorjas silenciadas.
Não
seremos nós a jurá-lo, mas semelha a roteirista do filme, Linda
Woolverton, ter nas suas estantes o Catálogo de velenos, ou
quem sabe, as Transformations, de Anne Sexton. A Maléfica
é uma transformação da Malévola do filme, também disníaco, de
1959, e da velha fada sem nome do conto tradicional versionado por
perraultes, grimmes e tchaikosques. Nessas histórias conhecemos a
versão hegemónica, atribuíndo a Malévola o carácter da bruxa
popular: velha, corcovada, manipuladora, praticante de mágia negra e
de terrível gargalhada. Obra levada pola inveja e toda a comunidade,
todo o reino, é vítima da sua maldade.
A
Maléfica
que constrói Linda Woolverton é uma mulher que foi nena, que
confiou nos homens, que por um homem foi traída, violentada e
amputada, que se deixou envelenar a seiva com a sede de vingança,
que estendeu a raiva por toda a redonda e que lha fez pagar a uma
menina, mulher também, castigando-a como ela foi punida. E constrói
uma mulher que abre os olhos a tempo para luitar pola liberdade
própria e pola da menina, pola superação da dor, do dano e a
recuperação da dignidade.
Quer
dizer, Maléfica exerce o seu poder de mágia negra, manipula ao seu
antolho, dana a quem acredita necessário danar, mas podemos escuitar
a sua versão da história: ela
não era má, foi desenhada assim pola literatura deles. Na
realidade, é uma mulher violentada, privada da sua identidade: uma
niké de asas decepadas que renasce escura merlina, como saída das
tebras de Excalibur.
Não só vilã ou madrasta. Também não só heroína. Um algo mais.
Por
isso gostei desta Maléfica
blockbuster,
que questiona o imaginário patriarcal desde comerciais
écrans, acompanhada de coca-colas e flocos de milho.
Maléfica,
dirigida por Robert Stromberg. Disney 2014.
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