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Representação na aldeia de Solheiros, Muros |
Por Susana Sánchez Aríns
Como
te pilhe no prado,
como te pilhe mais vezes,
hei-che de meter no corpo,
erva para nove messes.
como te pilhe mais vezes,
hei-che de meter no corpo,
erva para nove messes.
Há
bem de anos que conheço esta copla. Aprendim-na num disco de
Saraibas, Xa
non podemos calar (1981),
que soava na casa uma e outra vez. Faz parte dum tema, O
Tabaqueiro,
alegre e dançável, e que podemos entender como um jogo de engenhosa
sedução entre as duas vozes, homem e mulher, que cantam. E continua
viva a cantiga, pois em jantares e sobremesas, quando assoma a
pandeireta, dalguma gorja aparece-se esta copla e outras do estilo.
E
uma tarde do mês de julho assomou, na eira de Solheiros, no Esteiro
de Muros, cantada polas filhas bravas de Chévere. Porém já
não era um canto alegre e dançável, já não se aparecia como
engenhosa sedução mas como luita calada entre forças desiguais.
Porque As Filhas Bravas decidirom que fazia parte duma
regueifa entre um abusador sexual e a sua vítima, mulher à que
quiçás não lhe reste mais que o seu engenho literário para se
defender, ou, quando menos, para deixar pegada da agressão. A
regueifa resultou seca, brutal, e foi acompanhada com um duro
silêncio polas mesmas espectadoras que segundos antes riavamos a
cachão. Quantas dessas espectadoras não se sentiriam identificadas
com a voz feminina que se defende como pode? Não sei, porém em mim
esse silêncio na eira ainda ecoa.
Essa
é a força do novo espectáculo de Chévere, a mudança (ou a
inclusão, melhor) do foco no tratamento das cantigas tradicionais,
contextualizadas desde uma perspectiva de gênero. As ventureiras
protagonistas, filhas das silveiras, definem-se como mulheres livres,
donas de si e da própria sexualidade e convidam às presentes a
conhecer toda a simbologia que oculta, ou desvenda para quem saiba
interpretar, o cancioneiro tradicional. A obra está dividida em três
partes, nas que as protagonistas fam um recorrido por jotas e
moinheiras, maneos e regueifas dando sentido aos elementos sexuais
latentes nos versos, cantigas de tom acendido, esclarecidas com
grande humor polas três marias que presidem o cenário. E não
descrevem uma sexualidade capada para fazê-la acesível a qualquer
público, mas uma sexualidade aberta e impúdica e, sobre todo,
gozosa e autónoma.
Um
dos grandes acertos da obra é a caracterização das protagonistas.
Porque não falam para nós uma modernérrima Mercedes Peón, uma
desinibida Ugia Pedreira ou uma deslinguada Sés, mas três senhoras
de aldeia, que perfectamente poderiam estar na junta directiva duma
associação de mulheres rurais, ir as tardinhas da terça a ginásia
de mantemento ou fazer parte da comissão de festas da virgem das
Dores. Mesmo poderiamos vê-las de público no Luar. Porém os seus
discursos racham com os tópicos habituais sobre as mulheres do
rural, essa imagem de mulheres apoucadas e atrassadas; isto foi bem
visível durante a representação em Solheiros, durante a que os
seus comentários irreverentes e provocadores eram acompanhados polos
risos cúmplices de outras mulheres rurais, das que vão a ginásia
de mantemento ou fam parte da comissão de festas da virgem das
dores, conetadas às personagens por uma quarta parede, neste caso,
cheia de janelas e portas.
Chévere
demostra-nos que é possível partir da tradição para dignificar as
mulheres bravas, essas das que ninguém fala mas existem, filhas
ventureiras que não nascem espontaneamente mas guiadas por uma
tradição gineológica; igual que reborda coplas questionadoras da
ordem social o cancioneiro popular.
É
só prender o foco. E iluminar.
Chévere:
As Fillas Bravas
Em
cena: Patricia de Lorenzo, Mónica García, Arantza Villar.
Dramatúrgia
e direção: Xron. Escrita: Manuel Cortés.
Das filhas bravas ou das cantigas acendidas
Reviewed by segadoras
on
16:38:00
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