Cozer, cortar, empacar, azeitar

Imaxe da revista dixital www.abuxaina.com

Por Susana Sánchez Aríns

Uqui Permui gravou um documentário de título Doli, doli, doli... coas conserveiras. Rexistro de Traballo em 2010. Nele conta a luita das trabalhadoras de Odosa, conserveira da Arousa, que em 1989 se pugeram em greve de fame por denunciar o desmantelamento da sua fábrica. Visionando o filme descubrim que conhecia parte das protagonistas: a que não tinha crianças na minha escola, vinha comigo a aulas pandeireta, navegava comigo em dorna ou preparava a ementa do dia que eu jantava as terças; porém eu desconhecia a existência de Odosa, e claro é, do seu conflito laboral. O silenciamento das luitas é a principal arma dos opressores, está visto. Lembro ter-lhe pedido àquelas com as que tinha confiança que nos contaram dos tempos de Odosa e rememorárom estórias de escravitude, sofrimento, abuso mas também de amizades, risos e dignidades.

A Loli, Benita, Mari ou Juana volvim vê-las o outro dia sobre um cenário. Os seus nomes não eram esses, mas podiam ser. Porque as atrizes d'As do Peixe lográrom reviver em mim, em nós, memórias próprias e alheias.

Quatro mulheres, Conchi, Begonha, Lisa e Tere, juntam-se para ensaiar uma obra teatral; na sessão revisam o texto e preparam cenas importantes. Discutem os diálogos, modificando aquilo que “não era assim”, interpretam diferentes personagens, incluídas elas mesmas quando moças e reflexionam sobre o trabalho na conserva.

E tudo, tudo, tudo aquilo que Loli, Benita, Mari ou Juana contárom para nós, tem espaço nesta peça teatral: o abandono dos estudos para poder ganhar como todas, as condições [quase] escravas de trabalho, o acoso sexual do encargado, a divisão entre as trabalhadoras, as servidumes domêsticas, os acidentes laborais. E também as bricandeiras, a cumplicidade calada para proteger às companheiras, os risos, os concertos de Sarita Montiel, os sonhos de vidas melhoradas.

A técnica do teatro dentro do teatro, o jogo de planos na trama, permite que as personagens sejam atrizes e dramaturgas, ingênuas aprendizas e curtidas operárias; dá-lhes ocasião de revisar criticamente a sua experiência obreira desde o presente, desde as consequências que tivo nas suas vidas actuais.
A escolha de um grupo de teatro amador como cerna da peça permite dar voz, com veracidade, às anônimas. Não são dirigentes sindicais, estudosas do movimento obreiro, analistas econômicas, as que falam, mas as do peixe. Aquelas que nada importante tenhem a dizer. Que marca deixa na história, na literatura, que uma mulher obtenha a carta de conduzir apesar da oposição do homem? Que uma trabalhadora aprenda a palavra solidariedade? Que se descubra sujeita com direitos?

O melhor da obra, o sentido do tempo, do ritmo. Essa oscilação entre drama e comédia, como na vida mesma, da que boa prova é a cena do acidente laboral, momento culminante que consegue angustiar-nos e matar-nos de riso num pisca pisca.

No avanço da trama, imos descubrindo que cada uma das quatro mulheres está marcada pola experiência fabril de maneira diferente, que mantenhem atitudes e expectativas vitais diversas, que guardam segredos e rancores daqueles tempos, e que a prática teatral, esse teatro amador de tarde chuvinhenta, lhes dá liberdade para verbalizar todas essas vivências e comprovar que há muito mais a uni-las que a separá-las. E que nada as separa, ao tempo, doutras mulheres, como elas baratas para a indústria: as do téxtil, as begalis, as labregas, as de Guatemala...

Como conclusão, a certeza. As xoubas são fáceis de colocar e ordenar. Porque estão cozidas, cortadas, empacadas, azeitadas. Nosoutras estamos vivas.

Cándido Pazó: As do peixe.
Abracadabra Creacións Escénicas. Dirección: Cristina Domínguez

Reparto: Monica Camaño, Susana Dans, Rocío González e Casilda Alfaro

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