Escritas queimadas em silêncio

scar projet, de David Jay

Por Susana Sánchez Aríns

As agulhas que tecem, as peles cicatrizadas, as paredes caladas aguardando unhas que as rabunhem e escrevam, as agulhas espinheiras, o frio glacial, os velenos inoculados como genêtica, as feridas abertas, a louça que escacha, o azul das florinhas do linho nas mãos da sinha maria, os fios invisíveis, as carabunhas das fruitas, a poética do zercido, os versos que estouram em vulcões e reconstruem um mundo fendido na raíz.

Todos os anteriores são motivos que reconhecemos na obra de poetas à Sega traídas ou por traer, em personagens fictícias dignas de ser resenhadas. Motivos que não dão mostra de reiteração, de monotonia ou de simples remedo, mas que transparentam uma reinterpretação e, sobretodo, uma comunicação de estirpe. Quantas mais poetAs lemos, mas fácil é perceber na sua escrita os rastos duma tradição subversiva. Porque estamos cosidas polas beiras do corpo umas a outras.

E todos aqueles primeiros são motivos presentes em Raíz da Fenda, um poemário de Berta Dávila que ganha matizes e riqueza de o lermos acompanhadas dos poemários doutras autoras, um em especial, o Catálogo dos Velenos, de Marilar Alexandre.

Obra estruturada em cinco partes, cada uma delas recorre uma experiência de feridas que supuram e marcam, mas necessárias para a protagonista construir-se ou, quando menos, conseguir malabitar-se. Uma palavra simples, derruba.

Perante a necessidade de diferenciar-se da estirpe, daquela que pretendem que sejamos, boneca de porcelana, deixar escachar a louça e diluir as fronteiras do corpo. Perante os nomes legados dos que desgostamos, riscar a pele e desescrever a sua superfície, caligrafar-se novamente em tatuagens próprias, assimétricas. Perante o amor arqueológico ser outra vez animal vibrante. Perante à traição das escolhas, falar da morte das que amamos algum dia...

Um poemário como uma fendedura. Versos sob cujos pés se abre a terra e aparece o precipício. E com ele a vertigem. A quebra chegada como morte, como renúncia, como abandono. A fenda não é outra que a perda. A perda que trai.

E quem paira na raíz é a morte, quem faz da montanha, abismo; da quebra, silêncio; do golpe, culpa. E como sempre, desde o início dos tempos, é o verbo que nos salva da derruba, do acabamento, do esqueço, da soidade: é o único incêndio que demora o tempo, o misto que prende e difumina o azul do frio.

E nos versos encontra a eu lírica o compromiso: será a anja custódia, aprenderá as palavras que fagam sumir-se a dor, convertida em idioma.


Berta Dávila: Raíz da Fenda. Ed. Xerais, 2013 

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