Não che tenho medo, lobo, lobo, não che tenho medo

Grabado de Gustave Doré

Por Susana Sánchez Aríns

Instruções para confeccionar uma bomba caseira disque circulam avondas pola internet. E segundo as últimas condenações da Audiência Nacional espanhola qualquer de nós somos potenciais artificieiras. Basta possuirmos uma garrafa de coca-cola ou uma pota -mães, baleirade as lacenas!-, qualquer produto com ácido clorídrico -mães, baleirade o armário do lavabo!- e um algo de papel alumínio -ai, mães, mães, e nós a acreditar-vos inofensivas cozinheiras!-.

Teresa Moure, aparente mãe e inofensiva, colheu os arquétipos dum conto tradicional, perigoso em por si, como as garrafas de coca-cola, mas associado culturalmente ao establishment do meninhas, não andar com estranhos, encheu-no com auto-afirmação feminina como acelerante e inflamou-no com a lixívia da acção violenta e sexual. E, accionada polo acto de leitura, a bomba textual explode-nos nos olhos enquanto fazemos o leve gesto de passar a primeira página.

Não confundamos, o conto tradicional reborda violência e sexualidade, ou violência sexual; o único que faz a poeta e mudar o agente dessa força e esse sexo. E cuidado, também não era o lobo que a exercia no continho, mas a comunidade: aquela que envia a menina ao monte, sabendo-o habitado por alimárias, aquela que educa às raparigas para não parar nos caminhos a apanhar flores, grande delito!, ou conversar com as gentes que cruzam na vida, aquela que aprende às moças a temer o encontro sexual, aquela que nos aprende a violação como uma morte da que não há recuperação possível.

O acto subversivo da poeta não é outro que mudar a vítima em agente violentador. Porque nisso consiste o que muitas vezes é chamado de terrorismo: em usar a violência sem permiso e contra o poder hegemônico. A atitude terrorista da autora explicita-se qual manifesto no próprio título do poemário: eu violei o lobo feroz, onde identificamos com uma vista de olhos, esse EU com a da Carapuça encarnada. Uma eu que age, que actua, que faz, que não se oculta mas procura o choque furibunda.

E o sexo. Se algo aprendem as meninhas no conto tradicional é a esconder a sua curiosidade sexual: a que pergunta, a que quer saber por que esse apêndice engrandece, morre devorada. A violadora da Carapuça procura o encontro sexual. Ela mesma se sabe puta e condenada ao ostracismo pola assembleia cívica e o tribunal da cidade. Mas não por isso deixa de querer ver a pele do lobo, e lambê-la, e chuchá-la e deixar-se entrar por ela. Exibe o seu desejo como metralha que penetra em cada poro epitelial com mais força que a dor física da mutilação. Como uma femem desafiante, que escandaliza a próprias e estranhas, usa o seu corpo para provocar o questionamento dos papeis e o róis.

E quem, o lobo? Ao modo duma velha esmorga feminista não se aparece nem se pronuncia. Preside a sala do tribunal sem que cheguemos a vê-lo nunca. Dai o desejo. E não. O lobo feroz não é o lobo do conto tradicional. Não nos deixemos enganar. Este lobo é, insistimos, a comunidade, o poder que organiza as batidas contra animais equivocados, deixando com vida a todos os humanos repressivos e repressores que nos envolvem. Aqueles que se cargam o bosque em que vivemos.

Diz a da Carapuça que os 49 poemas que escreveu e publicou em forma de livro não são poesia. Explicita-o no texto intitulado post-scriptum. Porém, pensamos que o afirma levada pola súbita subida de oxitocina e prolactina orgásmicas.

Porque nós encontramos, sim, poesia. E por que não? Que um discurso nasça da realidade invalida-o como lírico? Que seja movido pola história e a memória retira-o para o mundo documental? Deixa a literatura de urgência de ser literatura por urgente? Não, Carapuça, não.


Teresa Moure: Eu violei o lobo feroz. Através Editora, 2013

Comentarios