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Andrea López |
Por Susana Sánchez Aríns
Quando
eu comento um guiso ao lume com um como cheira!, é fácil dar
com gentes que permaneçam expetantes perante a observação. E
quando eu completar com um é bem rico!, pode que respondam ló
não cheira, arrecende! No galego montesio tudo cheira e eu não
incorporei esse marinheiro arrecender à minha língua de
diário porque gosto de sentir o poder da ambiguidade, de que esté
na minha mão que o cheiro resulte bom ou mau.
Esse
mesmo é o poder que decide exercer Verónica Martínez Delgado no
seu Lusocuria, que nos convida à leitura já com um verbo
foder no primeiro poema e que deixa correr a língua polas
folhas para levar-nos, na aparência, da mão dos seus versos, ou bem
ao sexo ou bem ao amor...
E
não, não há lugar à disjunção, não somos obrigadas a escolher
entre amor ou sexo. Sexo e amor são armados copulativamente,
autêntico sexamor, como nas vidas certas.
Afeitas
na nossa educação literária ao amor romântico no que só há
espaço para suspiros e olhadelas platônicas, encontramos em
Lusocuria o amor feito carnalidade. Atração física, desejo,
excitação e acto sexual fazem parte do caminho que anda a
protagonista para chegar a ser feliz.
O
poemário está construído como o percurso amoroso duma mulher desde
a inseguridade sentimental até a felicidade amorosa, desde o
deixar-se fazer até a tomada da iniciativa. E nesse percurso compõe
um papel básico o sexo. Este é considerado a fonte primórdia de
comunicação, aquela que permite estabelecer redes e fios de contato
íntimo entre as pessoas: falamos / por cada cópula.
Tão
sexual chega a ser a vida da protagonista, que faz aparentes as suas
outras vidas, a laboral, a social, a familiar: a mulher / a futura
mãe, / a amante, / a professora. Mas esse protagonismo é
necessário para derrubar muros, deixar atrás escravidões
sentimentais; permite esquecer o pretérito cheiro a estrume e abrir
caminho ao cheiro a cereijas do corpo desejado.
Lusocuria
foge da língua escondida, da língua remedo. As cousas cheiram,
farão-no bem ou mal, mas cheiram. E assim, foder é foder,
masturbar-se é masturbar-se, o orgasmo é o orgasmo. As práticas
sexuais femininas são tiradas da sacola, junto com preservativos,
/ uma chupeta, / fitas, / pensos, / analgésicos, / tranquilizantes,
/ e uma caderneta / com a lista de compras, / um poema / e decretos
educacionais. A fazer parte da vida. Deixam de estar escondidas
entre léxico requintado e lugares comuns para emergir das
profundidades onde as mantém ocultas a lírica amorosa.
Porque
somos forçadas pola tradição a calar a eu sexual que levamos
dentro, porque somos levadas a poetizar um erotismo decepado,
mutilado da sua carnalidade mais corpórea, porque seguem a lhe
chamar sexo quando estamos a falar de amor, fam-se necessários
poemários como Lusocuria.
Martínez
Delgado, Verónica: Lusocuria. O Figurante Edicións, 2012.
Porque lhe dizem sexo quando estou a falar de amor
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19:03:00
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